30/12/2012

Trás Os Montes, Alto Douro, Azeites e o novo mundo a se construir...

Localizada no nordeste de Portugal,  essa belíssima região, delimitada a norte e a leste pela Espanha, possui um relevo formado por um conjunto de montanhas onduladas, cortadas por vales e bacias muito profundas. O seu clima é mediterrâneo com influência continental, agreste e frio nas áreas mais altas e quente nos vales onde corre o famoso rio Douro.
Além dos vinhedos, em especial da região demarcada do vinho do Porto, onde a paisagem é única com as suas imensas encostas e quintas, produz culturas como o centeio, a batata e a oliveira.
Seus pratos típicos são marcantes, entre eles o pão, o bacalhau, as alheiras, o porco, as carnes de caça, o cabrito e a conhecida posta mirandesa, raça do gado regional.  Peixes de rio, grelos (couve), feijão, cogumelos, castanhas, queijos dos mais diversos e doces inumeráveis complementam sua riqueza e diversidade.
O povo é extremamente acolhedor e pelo que pude perceber, tem a emigração como uma característica secular e não há quem não tenha parentes no Brasil.
Cheguei logo após o Natal, dando continuidade à minha busca pelo conhecimento sensorial dos extra virgens de qualidade e a esta altura, enebriado por tantos aromas e sabores, acolhido com muito carinho, sinto ter escolhido este percurso em um passado sem início.  
São vários os símbolos que me fazem concluir tal pensamento, pois muito mais do que o idioma em comum, da espiritualidade e de hábitos sutis, há algo de lúdico e poético na alma lusitana que nos une em uma humanidade insondável e incomparável para muito além de um simples "país colonizador".
Francisco e António Pavão são os personagens que me receberam.  Pertencem à famílias que se enraizaram nesta região há vários séculos e possuem a cultura do azeite no sangue... tenho às vezes a impressão que este fio de ouro corre em suas veias, tamanha a paixão com que falam do assunto e se dedicam ao cultivo e ao aprimoramento deste nobre produto.  
António tem o dom comercial e cumpre suas funções com afinco.  Francisco, engenheiro agrônomo e profundo estudioso é um dos azeitólogos mais respeitados de Portugal.  Como grande conhecedor sensorial da diversidade dos azeites portugueses, trabalha incansável e apaixonadamente pelo aperfeiçoamento dos métodos de cultivo e extração, antenado com as pesquisas e os estudos que, entre os países produtores, tem otimizado a produção de qualidade.
Simão Aguiã Morant, pertencente à mesma família, de alma errante e trovadora, se dedica à divulgação dos nobres valores herdados desta rica cultura, vivendo atualmente entre o Brasil e sua terra natal, aqui se encontrando como anfitrião, me acolhendo com igual carinho e inigualável humor.

Verdeal, Negrinha do Freixo, Madural Trasmontana, Cobrançosa... essas são algumas das designações das principais variedades que dão origem aos excelentes extra virgens produzidos nesta região denominada Trás Os Montes e Alto Douro, onde a paisagem traz à alma uma poesia bela e melancólica, na qual os azeites parecem traduzir sua essência.
Francisco Pavão, assim como minha mestra Brígida Jimenez, de quem é amigo, conduz as análises sensoriais e ontem passamos toda a tarde degustando 19 azeites da campanha passada e os da nova safra.  De forma hábil e criteriosa expôs e descreveu a grande diversidade e riqueza dos extra virgens que se originam em terroirs extremamente próximos, cujo microclima diferenciado em poucos quilômetros proporciona características distintas e incomparáveis.  Amargos e picantes, com complexidades e intensidades variadas, para cada azeite pensava um prato da culinária brasileira e o quanto ele pode enriquecê-la num casamento pefeito com a diversidade de nossas preparações.  Estou cada vez mais convencido de que a mudança em curso na qualidade dos azeites que nos é oferecido é incondicional e influenciará diretamente a nossa própria produção ainda incipiente.
De minha viagem à Andaluzia a este passeio sensorial no nordeste português é auspicioso e revigorante perceber que há um caminho de qualidade sendo buscado entre os países produtores, caminho este que pode ter forte significado na reconstrução de valores tão caros à humanidade.
Como diz Carlo Petrini em seu livro "BOM, LIMPO E JUSTO", o alimento, enquanto elemento cultural primário, deve ser a principal referência para o estudo da cultura e da identidade, a melhor representação de uma sociedade e o melhor meio para interpretar suas características.  
Torna-se perceptível portanto, que os aromas e sabores transmitidos nas preparações culinárias são a expressão mais genuína da cultura de um povo e sua preservação é fundamental, não simplesmente para a manutenção de tradições, mas para que se possa resgatar às gerações futuras o elo com a natureza que nos nutre, afim de que a terra volte a ser um símbolo sagrado que sustenta a vida, onde também podemos encontrar os propósitos de nossa existência. 
Que este despertar para a produção dos azeites genuínos, alimento ancestral, milenarmente extraído pelo homem seja o símbolo da reconstrução do mundo que findou em 2012.
Transcrevendo mais uma frase do escritor José Saramago: "NO INTERIOR DE CADA PAÍS ESTÁ O SEU DESTINO"... que a importância da origem do alimento genuíno possa dar a diretriz correta das novas relações sociais do mundo mais humano que queremos reconstruir.
VIVA TRÁS OS MONTES E O ALTO DOURO!

UM 2013 MUITO MAIS AZEITADO PARA TODOS NÓS! 

A degustação conduzida por Francisco Pavão

Olival Trasmontano

Alto Douro

O pastoreio entre os olivais



 

19/12/2012

Oscar Niemeyer, José Saramago e os novos Azeites Extra Virgens

Apaixonado por azeites, orgulhoso de ser carioca e de viver na cidade mais linda do planeta, em um entardecer de inverno nas pedras do Arpoador tive a impressão de que a sinuosidade das montanhas que cercam o Rio de Janeiro e suas belas praias representam uma harmonia lúdica semelhante às novas percepções sensoriais que os bons extra virgens trazem, quando combinados com a nossa rica culinária.  
A recente morte de Oscar Niemeyer, mestre dos traços arquitetônicos que tão bem representam essa geografia única, me trouxe novamente à mente essa ocasional analogia e, tendo recém chegado de minha viagem a Andaluzia, as impressões se multiplicaram.
Traduzir em formas arquiteturais o que a natureza constroi há milhões de anos equivale a um desafio incomparável, pois muito além dos traços, há as emoções e a diversidade da cultura humana que influenciam a obra.  Ao deitar o olhar sobre a paisagem carioca e sua tradução criada pelo mestre, encontro uma harmonia sedutora que pode ser plenamente representada pela diversidade dos novos aromas e sabores que os azeites trazem às preparações brasileiras: sinuosidade, delicadeza, elegância, algo de inédito e incomparável...
Embarquei para Lisboa há dois dias, dando continuidade à minha viagem de pesquisa ao mundo sensorial dos extra virgens e encontro-me na bela capital portuguesa por alguns dias, antes de seguir para Mirandela, uma pequena cidade em Trás-os-Montes, conhecida pela produção agrícola de excelência e de onde se extraem os melhores azeites do país.
A impressão análoga à obra de Niemeyer não me sai da mente desde sua partida, quando tive um grande desejo de homenageá-lo.  
Hoje esforço-me para expressar tais emoções em palavras e nada mais inspirador do que fazê-lo após uma visita a Fundação José Saramago, na Casa dos Bicos, construção do século XVI que, desde junho de 2012 reúne a obra desse grande escritor, falecido em 2010.
Nesta noite mágica e emocionante, tive a oportunidade de assistir a um recital com a leitura de poemas de sua autoria e também de Vinicius de Moraes e Fernando Pessoa, pela voz do ator brasileiro Alexandre Borges.
Há quem possa me chamar de obsessivo, mas em vários momentos, vinham-me à mente aromas do frescor dos bons azeites e, com a licença poética do grande escritor, penso que minhas idéias atuais são como uma gaiola em terra em que aves não há, quando nada pode ser aprisionado.
Na sala onde ocorreu o recital, havia frases de Saramago escritas por toda a parte e uma delas me chamou mais a atenção:

"ESTAMOS NUM TEMPO A QUE CHAMAMOS DE PENSAMENTO ÚNICO, EMBORA PAREÇA QUE SE APROXIMA MUITO PERIGOSAMENTE DE UM PENSAMENTO ZERO."

Estamos num tempo em que aromas e sabores são planos, sintetizados pela indústria e aproxima-se muito perigosamente o dia em que não mais os sentiremos.
É assim que entre a sinuosidade da obra de Niemeyer e a densidade das palavras de Saramago, encontro as nuances e a diversidade que se assemelham aos extra virgens.

A caminho do norte de Portugal, os dias de férias em Lisboa com minha amada irmã Cristina e nossa amiga Wanda me parecem mais que providenciais... a capital portuguesa é inspiradora, poética, transpira história, nostalgia e ancestralidade.
Dessa forma sigo o meu caminho, entre as pedras encontro as flores e, assim como as oliveiras, da adversidade e aridez do solo, extraio a essência que me traduz.

O mestre da harmonia das formas
Eu e Wanda entre a Fundação e a oliveira na qual as cinzas de Saramago foram depositadas
Alexandre Borges recita Vinicius, Saramago e Pessoa.
Uma noite inesquecível em Lisboa.




03/12/2012

O 2º Congresso Internacional de Análise Sensorial de Azeites e os novos caminhos da produção.

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Foram dois dias de intensas atividades.  Com o apoio do Conselho de Agricultura, Pesca e Meio Ambiente da Andaluzia, da Universidade de Granada e por iniciativa da Denominação de Origem de Priego de Córdoba (www.dopriegodecordoba.es), cientistas e pesquisadores reuniram-se a inúmeros especialistas, degustadores oficiais, produtores e profissionais da gastronomia das mais diversas regiões do mundo.   
Degustações feitas no Congresso foram comparadas a de *Panels oficiais e em todos os debates, um só assunto: o aprimoramento da qualidade e a necessidade premente de novas classificações, tendo em vista o consumo crescente no mundo e as desencontradas informações divulgadas ao consumidor historicamente.
Com palestras objetivas, intermeadas de seções de degustações, discussões sobre os resultados e mesas de debate, diversos assuntos foram pautados, todos permeados pela relação entre a composição química do azeite extra virgem, seus atributos sensoriais, as formas de percebê-los e as normas vigentes com as quais os Panels* devem degustar e classificar.
De forma extremamente organizada e objetiva, em dias de muito frio, quando as temperaturas nas Serras Subbéticas da Andaluzia (sudeste de Córdoba) variavam entre 3˚ e 7˚, tornou-se evidente que os maiores países produtores do mundo fazem um “mea culpa” e preocupam-se com os rumos da produção, quando a quantidade e a má informação são hoje os condutores do consumo mundial e regras pouco claras e subjetivas dão margens à classificações que induzem à práticas comerciais pouco leais, onde o consumidor é o maior prejudicado.
Estima-se que 80% dos azeites extra virgens embalados no mundo não o são e uma das causas diz respeito à questões subjetivas às quais os Panels Oficiais estão submetidos, além da pressão das grandes indústrias embaladoras que, obviamente, necessitam de quantidade para atender aos novos mercados, onde nuances sensoriais são pouco importantes.

* Na definição de minha mestra Brígida Jimenez, Panel de Degustação é um grupo de degustadores (entre 8 e 12 pessoas), previamente selecionados e treinados de acordo com técnicas pré-estabelecidas pelo COI (Doc. Nº 15 /Rev.2) e pela Comunidade Européia. A degustação se realiza seguindo estritamente as normas do Conselho, que padroniza ações, todo o material (copo, ficha de análises, etc) e instalações (salas de degustações). Um Panel conta sempre com um Chefe de Panel (Capo Panel ou Jefe de Panel), que tem como objetivo estabelecer um juízo individual  pelo critério médio de um grupo de degustadores.  Sua função consiste em indicar e detectar, seguindo uma ficha de degustação, se existem ou não atributos positivos e/ou defeitos, indicar quais são e sua intensidade.  Cada atributo é pontuado com uma nota.  A avaliação é feita de forma individual, sem troca de opiniões nem pareceres entre os distintos degustadores.

Os Panels são dessa forma encarregados de classificar os azeites.  São, afinal, os que decidem através de análises sensoriais quando um azeite pode levar a etiqueta de extra virgem. 
Os parâmetros que determinam tal classificação são diversos, ferramentas com nomes como “índice de repetibilidade do degustador”, “índice de desvio”, “valores de referência”, “gráficos de controle de tendências”, “pontuação de defeitos e atributos”  nos indicam que o protocolo é suficientemente complexo. 
No que tenho experimentado e testemunhado, percebo a complexidade na diversidade dos aromas e sabores que este óleo místico possui.  Seus componentes voláteis, razão desta diversidade, têm sido  exaustivamente pesquisados por cientistas das Universidades de Farmácia, Nutrição e Química com o objetivo de desvendar sua criação e formação, uma vez que os benefícios que portam a saúde fazem parte da origem dos inúmeros significados e mitos criados ao longo da história da civilização humana e onde  hoje encontramos seu maior valor.
Dessa forma, a importância dos debates ocorridos nestes dias no coração da Andaluzia possuem uma dimensão única, pois buscam não só corrigir os rumos da informação à opinião pública sobre seu   variado uso e conservação, mas estabelecer novos critérios de classificação laboratorial e sensorial com parâmetros mais simplificados, ainda sujeitos à subjetividade das percepções humanas, mas que poderão tirar do consumidor o ônus de ser enganado ao comprar um produto, cuja rotulagem não confere com seu conteúdo.
O fato é que os caminhos do aprimoramento da qualidade se estreitam e insisto em dizer que a única e real maneira de perceber o diferencial e a qualidade é conhecendo-o sensorialmente.
Ao descobrir o verdadeiro frescor de um bom extra virgem, entenderemos que alí está seu maior valor e passaremos então a escolher um ingrediente muito mais saudável, com nuances sensoriais incomparáveis e que se harmonizam com o alimento das mais diversas maneiras.
Proponho portanto, desconstruir as memórias sensoriais dos azeites de nossa infância, preservando-as afetivamente se desejar, mas abrindo-se ao novo...  Afinal, é na complexidade da vida que encontramos sua maior riqueza.


Mesa de Debates

 
 Análise Sensorial
 A origem do fio de ouro

26/11/2012

A Andaluzia e os novos azeites espanhóis


Os procedimentos para a obtenção do azeite foram introduzidos na Espanha durante a dominação marítima dos fenícios em torno de 1.050 a.C e alcançaram notável desenvolvimento com o domínio de Roma (45 a.C).
Na ocupação árabe, o cultivo de outras variedades no sul do país influenciou na difusão da cultura, a tal ponto que muitos vocábulos castelhanos, como aceite (zeit) e aceituna tem raízes árabes e hoje a região é a maior produtora do mundo.
A produção do azeite de oliva está concentrada majoritariamente nos países mediterrâneos, onde se encontram 99% das áreas cultivadas.  A Espanha participa com aproximadamente 50% deste total - segundo últimos dados do COI (Conselho Oleícola Internacional), a produção de azeites espanhóis no ano passado foi de aproximadamente 1.400.000 toneladas, sendo a  Andaluzia responsável por 1.160.000 t, ou 80% da produção nacional.
O cultivo da oliveira é predominante nesta região, onde a paisagem, a cultura e a economia são evidentemente marcadas pelo setor, extremamente dependente do fator climatológico e dos ciclos biológicos da planta, que alterna anos de grandes colheitas e outras muito escassas.  No entanto, o emprego da tecnologia nos sistemas de cultivo e obtenção do azeite tem permitido um constante crescimento na produção média anual.
De agricultura intensiva, é evidente que a política local visa a quantidade em detrimento da qualidade e toda a infraestrutura de produção está absolutamente voltada para estes objetivos.
Estudando os dados que constam no site do COI e as notícias mensalmente distribuídas em seus informativos, procuro entender os movimentos que regulam os preços internacionais e, embora essas análises não sejam o meu forte, fica claro que as grandes indústrias ditam as regras regulando estoques com as coniventes políticas públicas européias e os pequenos produtores são obrigados a obedecer a esses drásticos mecanismos, vendendo suas produções ou fechando as portas.  Nessa política, obviamente, a qualidade com as percepções sensoriais e as riquezas nutricionais a ela relacionadas são pouco levadas em consideração.
Como Ecochef do Instituto Maniva e membro do Slow Food Internacional sei perfeitamente que isso não é uma novidade e que esse movimento não se resume ao setor oleícola, mas nada mais desafiador do que mergulhar em uma cultura tão fascinante, conhecer seus pormenores e unir forças pela preservação de ricos e inigualáveis valores.  Na  produção e cultivo tais valores são considerados detalhes intrínsecos à sabedoria de uma planta milenar que extrai da terra sumos que traduzem uma herança ancestral deixada por deuses, tão bem contada pela mitologia e com significados até mesmo religiosos.  Nos aromas e sabores dos verdadeiros extra virgens, creiam, encontra-se esta tradução.
Meu encontro com a Dra. Brígida Jimenez Herrera no ano passado em uma apresentação no Instituto Cervantes do Rio de Janeiro foi fundamental para a compreensão deste panorama.  Minha mestra é doutora em Farmácia pela Universidade de Granada, diretora do IFAPA (Instituto de Investigación e Formación Agraria e Pesquera) da Andaluzia, pesquisadora, jurada de inúmeros prêmios internacionais e é considerada uma das maiores experts em degustação de azeites da Espanha.
A seu convite participei em maio deste ano de um curso de degustação nesta renomada instituição e sob sua orientação retornei para acompanhar a colheita e produção na região, além de participar do 2º Congresso Internacional de Análise Sensorial que acontecerá nos próximos dias 26 e 27 de novembro em Priego de Córdoba.
Hospedado no alojamento estudantil deste Instituto, cercado de olivais por todos os lados, vivo desde que cheguei no último dia 16 com uma intensidade absoluta, sorvendo informações bibliográficas e testemunhando um cotidiano fascinante com inúmeras seções de degustações dos novos azeites que estão saindo dos moinhos, mergulhando em um mundo sensorial incomparável, que se inicia ao tocar os frutos para colhê-los em oliveiras muitas vezes centenárias, deitando-me em suas sombras para ouvir suas raízes.
Ao conhecer as entranhas dos institutos de pesquisas e estudo em toda a região, assim como os novos modos de produção e colheita, percebe-se que o momento na Espanha é de forte investimento na modernização tecnológica com o objetivo de melhorar os níveis de qualidade dos produtos, criando associações e certificações como elementos necessários para a diferenciação.
Além disso, a grave crise econômica parece gerar reflexões que levam à cooperação e ao pensamento sobre uma reinvenção do sistema atual como um todo.  Hoje há bastiões de resistência pela preservação desde olivais silvestres com suas diferentes espécies àqueles, cuja produção não é tão lucrativa, mas que possuem valores históricos e humanos que não podem ser medidos financeiramente.
São mais de 256 variedades catalogadas em todo o país, todas com suas peculiaridades que variam de acordo com o solo, clima, modo de cultivo e produção, fatores que influenciam diretamente na composição química do fruto e consequentemente nos parâmetros sensoriais do azeite.  Entre tantas, podemos destacar as principais e mais conhecidas, cujas características tornaram-se referências para as degustações:  Arbequina, Picual, Hojiblanca, Picudo, Cornicabra, Manzanilla, cada uma com atributos distintos que se diferenciam em suas intensidades de amargor, frutado e picor.
É um mundo fascinante que se revela para nós brasileiros...
Azeites de oliva, produto do refino químico, misturados e sem sabores, tradicionalmente presentes em nossas prateleiras sempre terão seu lugar no mercado, mas as opções que agora temos à disposição apresentam possibilidades infinitas de uso e harmonização, além de muito enriquecer nutricionalmente nossa dieta.
Como insisto em dizer, o caminho está aberto... seja produzindo nossos próprios azeites ou importando-os, devemos conhecê-los para fazermos nossas escolhas corretamente. 
Se o momento é favorável, pois somos um novo mercado, que venham todos, com qualidade, pois finalmente estamos aprendendo a saber o que é bom neste vasto e particular mundo.

Bibliografia: Jimenez, Brígida - Tesis Finalis


 A colheita mecanizada
 A análise sensorial
 Minha mestra, Brígida Jimenez e seu marido no almoço da entrega do prêmio Nuñes de Prado
Baena - 25.11.2012

22/11/2012

O Terroir Carioca e uma Viagem a Andaluzia

 
Foi na tarde do dia 29 de outubro último que aconteceu um marcante evento em um dos botecos mais premiados do Rio de Janeiro, o ENCHENDO LINGUIÇA.  
Promovido pela VILA DE AROUCA e por sugestão da ESTILO GOURMET, foram apresentados cinco extra virgens portugueses legítimos harmonizados com tradicionais petiscos do menu do famoso botequim, em sua recém inaugurada filial da Lapa.
A comida com que nos divertimos e que tanto caracteriza nosso estilo de vida teve finalmente o merecido acabamento com premiados azeites, que agora chegam ao mercado brasileiro e que, seguramente, nos farão abandonar as tradicionais latinhas engorduradas de azeites de oliva (não extra virgens), cuja utilização deve ser única e exclusivamente a culinária.
Levei um certo tempo para escrever sobre o evento.  O ofício da dissertação gastronômica nem sempre é simples de ser feito, envolve emoções que precisam ser amadurecidas para serem descritas, principalmente quando proporcionam sensações tão novas. 
O fato é que ali, naquele fim de tarde, mais uma experiência se somou ao caminho que decidi percorrer ao estudar o precioso “fio de ouro”.   Ao descobrir tanta riqueza, tornou-se uma missão transmitir esse ancestral conhecimento ao maior número de pessoas possível, pois ainda que azeites sejam comercializados no Brasil desde o início do século XX, nunca recebemos produtos de qualidade. 
Ouso dizer que o momento que vivemos é de reintrodução desse “novo” ingrediente em nossa culinária e, a cada vez que me aprofundo nos estudos e nas pesquisas que realizo, mais me convenço do quanto essa diversidade pode se somar às tradições da gastronomia brasileira. 
Com uma viagem marcada em novembro para o sul da Espanha, decidi afinal redigir essas palavras, na região da Andaluzia, onde me encontro para participar do I Congresso Internacional de Análise Sensorial, que ocorrerá na cidade de Priego de Córdoba entre os dias 26 e 28 de novembro próximos e, no momento, acompanho as colheitas que se iniciaram no princípio deste mês com a produção dos azeites novos.
É sem dúvida um novo alvorecer... das tradicionais latas de azeites de oliva, com sabores planos e poucos aromas, para extra virgens legítimos com um frescor distinto, herbáceo e frutado que nos remete à sensações nunca experimentadas em nossos pratos. 
Variedades infinitas, delicadezas distintas e aromas evidentes... Nada do que estamos experimentando agora, com os novos produtos que chegam as prateleiras nos remete à nossa infância vivida neste belo país tropical, quando tínhamos à disposição apenas os azeites de oliva ou óleo compostos, com sabores planos e nenhuma nuance.
Entre as experiências vividas naquele evento na Lapa há três semanas e o que tenho testemunhado aqui desde que cheguei, resta a convicção de que, para além dos prazeres sensoriais e dos valores nutricionais que os bons extra virgens nos portam, multiplicar-se-ão infinitamente as possibilidades de enriquecer ainda mais nossa cultura e memória, principalmente quando sabemos que o país atreve-se ao desafio de produzir este rico ingrediente.
É um mundo a parte...  espanhóis, portugueses, italianos, gregos, chilenos, argentinos, uruguaios, turcos, australianos, libaneses, brasileiros, este nobre óleo está sendo produzido nos mais diversos países, ultrapassando as costas do Mediterrâneo, cada um com sua variedade de aroma, sabor e riqueza nutricional.  Estamos aprendendo a usá-lo... pouco a pouco as informações a respeito são divulgadas e vamos percorrer nosso próprio caminho e, estejam certos, é muito mais saboroso do que podemos imaginar.







22/10/2012

A Instrução Normativa e o Mercado no Brasil

O índice de crescimento da ordem de 22% registrado no mercado brasileiro para o consumo de azeites no ano de 2011 é número fornecido pelo COI (Conselho Oleícola Internacional) e reflete o que estamos testemunhando há cerca de sete anos.   O crescente interesse da sociedade brasileira é perceptível na quantidade de publicações, reportagens, comentários em redes sociais, cursos, degustações e... a própria Instrução Normativa nº I de 30 de janeiro de 2012, supostamente em vigor desde 01 de setembro último.

São características dos primeiros passos no consumo de um ingrediente que, não só insere novas percepções sensoriais, como enriquece nutricionalmente a dieta brasileira, agindo na prevenção de inúmeras doenças se corretamente utilizado (sempre enfatizarei isso!).

Comoditie valiosa, seu comércio está tradicionalmente vinculado a fraudes desde a antiguidade e, consequentemente, regular seu mercado não é tarefa fácil.
O Brasil, possuindo uma linha ascendente de consumo, crescente aumento da fronteira agrícola para o cultivo da oliveira e comercializando produção própria há apenas um ano,  tem um mercado em dinâmica transformação e forte expansão onde a qualidade começa a se tornar uma exigência do consumidor e meta principal dos produtores mais sérios.

A Instrução Normativa está suspensa, seguramente será revista e poderá ser revogada.  Vários artigos que a compõem não podem ser cumpridos no que concerne a certificação de conformidades e, portanto, não está válida.

O fato não assusta nem surpreende, dada a incipiência do mercado brasileiro e de nossa própria produção, somos evidentemente principiantes.  
Fica evidente, pela quantidade de novos rótulos disponíveis e o pouco conhecimento do consumidor, que o caminho do aprendizado é longo e seguramente encontraremos aquele, onde faremos nossas escolhas com discernimento apropriado e, tendo como referência atributos de qualidade, aprenderemos a dar uso a cada tipo de azeite.

A trajetória da inserção do vinho em nossa cultura nos últimos 30 anos é um paralelo inevitável e prova concreta dessa evolução natural incessante.

O caminho está traçado!  Extra Virgens de qualidade e de excelência terão cada vez mais lugar em nossas prateleiras e os produtores brasileiros podem crescer com conhecimento próprio, pois há instituições sérias que disponibilizam resultados de pesquisas para a cultura da oliveira, difundida nas regiões sul e sudeste do país com razoável rapidez.  
A EPAMIG, pioneira em pesquisas agronômicas no setor lançou um livro entitulado "OLIVEIRA NO BRASIL tecnologias de produção", tendo como editor técnico o agrônomo e pesquisador Adelson Francisco de Oliveira.  A obra, de grande importância no atual cenário, se ainda não se tornou, seguramente se tornará uma referência da difusão dessa rica cultura.

O conhecimento se acumula e as experiências também, seja no campo, na comercialização ou no consumo, há uma inesgotável e rica troca de informações.  
Da raíz no campo ao seu fruto e óleo sagrado, a oliveira continua a manter uma "aura" de místico e misterioso.  Por sua longa presença na Terra é símbolo de longevidade, a ancestralidade de seu DNA e sua cultura provocam sentimentos apaixonados há séculos.
Milenarmente sorvemos seu sumo, coroamos com suas ramas os vitoriosos, de sua madeira fizemos os cetros dos reis e hoje redescobrimos seu valor...
Remédio e unguento, não tenhamos dúvidas, sua origem embrenha-se com a história da humanidade e das religiões, sua composição e riqueza seguramente transcendem o físico, falam aos deuses e nos dizem a razão de tantas disputas.  É símbolo da paz, paradoxo do homem!




28/09/2012

A Semana da Olivicultura e o novo consumo de Azeites no Brasil

Entre os dias 11 e 14 de setembro foi promovida a Semana da Olivicultura, onde ocorreram o III Encontro da Cadeia Produtiva de Olivicultura, projeto do Instituto Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA) e o VI ExpoAzeite, iniciativa da JKPG.
Sediados pelo Instituto Agronômico de Campinas (IAC), os eventos foram muito significativos e  evidenciaram não só o avanço das pesquisas na área da olivicultura como o interesse geral do público consumidor em conhecer esse ancestral alimento em sua rica diversidade.
Com palestras, cursos de análise sensorial, degustação, gastronomia, exposição de azeites do mundo, além do III Concurso Harmonia ExpoAzeites, a avaliação final foi extremamente positiva, com intensa troca de informações sobre uma cultura na qual nosso país ingressa com ousadia e determinação.
Expositores das novas marcas que estão entrando no Brasil ou assediando o mercado mostraram ao público a enorme diversidade de um produto que, adormecido na memória do brasileiro, se assemelhava a uma herança sensorial imutável.
Azeites com sabores planos, sem nuances e intensidades sempre terão seu lugar e sua finalidade de uso, mas abre-se no mercado brasileiro a oportunidade para os produtos de excelência e artesanais, que apresentam uma riqueza nutricional e sensorial jamais conhecida por nós consumidores de um país, comumente julgado como periférico.
Esses são os primeiros passos de um longo percurso.   Tanto a produção brasileira, nova fronteira do agronegócio, como as recentes importações deixam evidentes um potencial de crescimento ainda mal dimensionado.  Nos últimos 5 anos o consumo anual per capita no país cresceu mais de 120% e passamos a consumir 270 ml em média.  
Tendo em vista a riqueza e diversidade de nossa culinária, assim como a grande receptividade da população para o produto, facilmente chegaremos a 1 litro per capita/ano, nos igualando ao número norte americano e nos aproximando dos japoneses (1,5 litros).  Os gregos são campeões, onde cada cidadão consome 21 litros em média.
Os produtos que agora começam a se apresentar no Brasil diferenciam-se dos tradicionais pela qualidade.  Ainda que tenhamos um grande percentual de misturas sendo vendidas como extra virgem,  já é possível encontrar em supermercados, delis e no comércio de alimentos em geral, azeites de boa qualidade que oferecem em seu conteúdo uma riqueza sensorial e nutricional incomparáveis.
Vale lembrar, que os grandes benefícios à saúde, atributos comprovados por inúmeras pesquisas, só são encontrados nos verdadeiros extra virgens.
Os eventos em Campinas deixaram claro que estão em curso positivas transformações no mercado.  Instituições como o IAC,  EPAMIG e EMBRAPA estão aprofundando suas pesquisas na área do cultivo, do aperfeiçoamento da produção e no conhecimento dos valores nutricionais provenientes dos frutos da oliveira.  As áreas de cultivo dobram a cada ano e a variedade de rótulos aumenta em proporção ao crescente interesse.
Um fato é certo, o caminho não tem volta.  Azeite extra virgem é a gordura vegetal não só mais saudável, mas também o alimento mais completo a nossa disposição, presente na civilização há mais de 6000 anos.
A iniciativa da JKPG, assim como a do IAC e APTA ao promoverem essa semana é louvável pela troca de informações e negócios que incrementam a produção e consumo, mas também e sobretudo pela responsabilidade de introduzir na cultura brasileira um ingrediente que tratará da saúde de forma preventiva, e enriquecerá sobremaneira a diversidade de nossa culinária.
O trabalho é árduo mas extremamente gratificante!

E.T: No site ( http://www.expoazeite.com.br ) encontram-se os resultados do concurso e os participantes dos eventos.





29/08/2012

Os Verdadeiros Azeites Portugueses e novos horizontes sensoriais

Temos a impressão de que são velhos conhecidos, afinal desde a vinda da família real portuguesa eles já andam por aqui e, comercialmente falando, já se vai quase um século que se encontram em nossas prateleiras, fazendo parte da composição de inúmeras preparações de nossa culinária.
Eles são os mais tradicionais, sentimo-nos familiarizados com o sabor e temos em nossa memória afetiva seus aromas marcantes.  Estou falando dos famosos azeites de oliva portugueses, vendidos em lata, onde a opção de extra virgem praticamente inexistia.  Tinham custo alto, eram usados comedidamente e restritos àqueles que podiam pagar em média mais de dez vezes o valor de uma embalagem do óleo de soja, gordura vegetal mais conhecida entre os brasileiros.
Para popularizar seu uso foram criados os óleos compostos (óleo de soja e azeite de oliva), onde uma das mais famosas marcas criou um jingle até hoje inesquecível ("Oh Maria, sai da lata e vem prá mesa").  Tornou-se tão popular que em pesquisa recente feita em supermercados, ao abordar os consumidores para citar o nome da primeira marca de azeite conhecida, o célebre rótulo de óleo composto foi o mais mencionado.
Dessa forma, como país "periférico", "colonizado" e "pouco informado" fomos habituados a azeites cuja riqueza e variedade sensorial e nutricional sempre deixaram a desejar.  Ainda que esses produtos tenham sua utilização e finalidade, na ausência de uma referência de qualidade, passamos ao largo da excelência durante todos esses anos.
Portugal não é um grande produtor de azeites, está em décimo primeiro entre os maiores do mundo com apenas 2 % da produção mundial.  No ano 2010/2011 produziu 63 mil toneladas, exportou 47 mil e consumiu no mercado interno 89 mil toneladas.   Esse números não são propriamente uma surpresa e matematicamente se explicam quando sabemos que o ano de 2010 foi um marco no agronegócio português, quando, pela primeira vez após 30 anos, o país exportou mais azeites do que importou.  Em 5 anos as vendas para o exterior saltaram de 28 mil toneladas para 47 mil, gerando renda de aproximadamente 160 milhões de euros, sendo o Brasil responsável pela compra de 55% desse volume.
Pois bem, nos últimos 8 anos testemunhamos uma verdadeira revolução no consumo de azeites no Brasil e o panorama acima descrito se transforma a cada ano, a cada mês, a cada dia, com a chegada de novos rótulos da "terrinha" (e de outras origens), que para nossa felicidade trazem inúmeras novidades, revolucionando nosso conhecimento sensorial e nos surpreendendo com seus novos aromas e sabores.
Um tanto surpresos, passamos a entender que as marcas mais tradicionais de azeites portugueses vendidos no Brasil não são produzidos em Portugal, mas apenas embalados (granel ou garrafas).  O país importa azeites baratos principalmente da Espanha, Tunísia e Grécia, corrige seus aromas defeituosos em seu território e nos vendem na maioria das vezes com rótulos equivocados (mas com o famoso brasão) a preços bem acessíveis. 
Se o momento é de mudança, é hora de aproveitar!  As inúmeras marcas agora disponíveis no país contam histórias totalmente diferentes...
Azeites de excelência como o QUINTA DO BISPADO, QUINTA VALE DO CONDE, CASA DE SUCÇÃES, OLIVEIRA RAMOS, QUINTA DO PASSADOURO para citar apenas alguns, são exemplos das novas maravilhas que desembarcaram no Brasil e apresentam nuances sensoriais que elevam nossa alma ao infinito.
São azeites extra virgens de terroirs distintos, pequena produção, com denominação de origem e blends de variedades portuguesas (cobrançosa, verdeal transmontana, madural, negrinha).  Tem sabores igualmente distintos, mas todos distinguem-se pela harmonia do frutado, amargor e picância, conferindo um frescor até então impossível, para nós, de ser reconhecido em um azeite.
São oriundos do Alentejo e de Trás-os-Montes, onde a combinação de solos xistosos, clima agreste, elevadas amplitudes térmicas e baixo índice pluviométrico propicia a criação de uma olivicultura de excelência.
Não são os únicos, há inúmeros outros chegando às nossas prateleiras, mas seriam necessárias muitas linhas para descrever as características e a poesia que inspiram.
O fato é que há alguns anos nossas referências começaram a mudar e o melhor disso é que desde então estamos tendo a oportunidade de escolher bons produtos que trazem em si um conteúdo verdadeiro.
Talvez novas classificações serão necessárias para diferenciar os extra virgens de combate dos de excelência, os primeiros com a grande e positiva vantagem de popularizar o uso, os outros para traduzir em seu conteúdo a história, a cultura e as sutilezas poéticas que terroirs específicos e abençoados possuem, pois carregam em si poderes curativos, infindáveis benefícios à saúde e indescritíveis emoções à alma.
Azeite Extra Virgem é um dos alimentos mais completos a nossa disposição, presente da Deusa Athena, há milhares de anos orna a cabeça dos vitoriosos, é sagrado e um santo remédio.
Sinto-me a vontade para repetir a máxima que sempre nos orgulhamos de dizer, a de que "Deus é brasileiro".   Se assim for, agora sua benção está completa.


06/08/2012

Maria da Fé e o Azeite Brasileiro

Do dia 13 ao dia 22 de julho, o município de Maria da Fé realizou seu já tradicional Festival de Inverno de Arte e Design, iniciativa da secretaria de cultura para promover o turismo na cidade e valorizar os artistas e artesãos locais, bem como as novas atividades econômicas do pequeno e significativo município da região sul de Minas Gerais.
Como é de conhecimento de muitos, é nesta cidade que está localizado o Núcleo Tecnológico da Azeitona e Azeite pertencente à Fazenda Experimental da EPAMIG, onde ocorrem as primeiras pesquisas sobre o cultivo da oliveira e a produção de azeite no Brasil.
Desde 2008, quando foi produzido oficialmente o primeiro azeite extra virgem brasileiro, marco do agronegócio em nosso país, venho curiosamente acompanhando o desenvolvimento do projeto, cujo coordenador é o engenheiro agrônomo Sr. Nilton Caetano, maior responsável pelo implemento da cultura da oliveira no Brasil.
A convite da secretaria de cultura, ministrei um curso de degustação de azeites da região no festival desse ano, evento que se realizou no dia 22.7.
A uma altitude de 1200 mts, em meio a Serra da Mantiqueira, encontra-se um micro clima onde as oliveiras estão não só se adaptando, mas já produzindo azeitonas, cujo azeite recém produzido começa a apresentar as características que contam a história do terroir.  
Foi a mais grata e bela surpresa que pude ter ao degustar os cinco rótulos a disposição, sendo um deles da Serra da Bocaina, região próxima, no estado de São Paulo, com micro clima distinto, mas cujo conhecimento de produção tem origem nas pesquisas deste Núcleo.  Digo grata surpresa, pois há pouco mais de dois anos atrás, na análise sensorial feita por um grupo de especialistas, no qual me incluo, a degustação de um único rótulo da própria EPAMIG não apontou boas características, o que não surpreendeu, tendo em vista a natural inexperiência, as condições e a jovialidade da produção.
Azeite Dona Maria da Fé, Azeite Fazenda Bom Retiro, Azeite EPAMIG (variedade Grappolo), Azeite EPAMIG (variedade Arbequina), Azeite da Serra da Bocaina (variedade Arbequina).
Com características muito próprias, um mais harmônico do que outro, mais ou menos intenso em frutado, amargor e picância, todos são originários de olivais muito jovens com grande potencial para produzir azeites que em nada ficarão a dever aos produtos das regiões tradicionais.  Em apenas dois anos, o desenvolvimento foi extraordinário.
Azeites, ao contrário de muitos vinhos, devem ser consumidos bem frescos e a proximidade com a região de origem é um requisito importante no fator qualidade e, ainda que, como alegam alguns especialistas, as características climáticas do Brasil não sejam as ideais para os azeites gourmet, estou absolutamente convicto de que as pesquisas em curso e a sábia adaptação da planta aos micro climas próximos ao ideal, nos inserirão no rol dos países produtores e, em muito breve, estaremos suprindo um pequeno percentual do consumo no país com um produto de qualidade, é uma questão de paciência, persistência e profissionalismo, atributos que não nos faltam...
A procura pelo curso superou as expectativas da secretaria de cultura, evidenciando o crescente interesse pelo assunto, não só por parte dos produtores, mas também dos profissionais de gastronomia locais e os próprios moradores que estão se dando conta de que em sua cidade estão produzindo azeites que traduzem suas riquezas... 
Sim,  azeites extra virgens legítimos são a verdadeira e poética tradução da essência de um terroir, que inclui não apenas a relação do solo com o micro clima, mas a cultura da produção, a paixão e determinação com que é produzido e a tradição que se inicia a partir do novo cotidiano imposto pelo cuidadoso cultivo que a planta requer.
Dessa forma, podemos perceber que nos encontramos definitivamente percorrendo um novíssimo caminho no consumo de azeites, pois nossa própria produção vai de encontro aos novos rótulos de qualidade que estão sendo apresentados em nossas prateleiras e tudo isso nos disponibiliza um conhecimento que se amplia infinitamente.  Quanto prazer!  A gastronomia brasileira agradece e enriquece.



19/07/2012

Azeites Extra Virgens e o Terroir Carioca

Desde que iniciei meus estudos em azeites há pouco mais de 5 anos, tenho realizado aulas de harmonizações com a culinária brasileira que denominei "Azeites Extra Virgens - Caminhos da Harmonização".
Se há algo de fascinante nessas experiências são as infinitas possibilidades de combinação entre a variedade dos bons extra-virgens e a diversidade de nossa gastronomia, tão rica e inusitada.
Não por acaso, recentemente, mudei-me do Vidigal para o centro do cidade, mais precisamente na Lapa, bairro muito representativo do terroir carioca.  
Sempre me intrigou a péssima qualidade dos azeites servidos em nossos maravilhosos botecos e foi no histórico 17 de janeiro de 2012, no ACONCHEGO CARIOCA, em um menu especialmente sugerido pela Chef Katia Barbosa que esse panorama deu seu primeiro passo para uma definitiva mudança.  
Naquele dia, a aula inaugural do ano da ESTILO GOURMET foi entitulada AZEITES: CAMINHOS DA HARMONIZAÇÃO COM COMIDA DE BOTECO.  Com três petiscos (Deixa arder, Bolinho de mandioca com camarão e Almofadinha), um prato principal (Baião de Dois) e uma sobremesa (Coalho Frito com Calda de goiabada) harmonizados com cinco rótulos de extra virgens nos elevamos espiritualmente aos céus, ainda mais com as sugestões de cervejas artesanais do Gustavo, incomparável e conhecido garçon da casa.
Desde então, sonho que ainda chegará o dia em que os mais significativos botecos do Rio de Janeiro, assim como o ACHONCHEGO atualmente, oferecerão aos seus clientes bons extra virgens que transformarão sensorialmente as incríveis experiências gastronômicas nesses templos da boemia, da nossa comida de conforto.
O frescor de um extra virgem harmoniza-se com perfeição aos inusitados sabores dos petiscos servidos em toda a Cidade Maravilhosa.  A picância, o amargor e o frutado de um bom azeite são características que se tornarão indissociáveis ao bolinho de bacalhau, ao bolinho de feijoada, ao croquete de carne, aos incontáveis pastéis e a todos os petiscos oferecidos em nosso rico terroir, maior representação da baixa gastronomia, que tanto enriquece a alma carioca cantada em verso e prosa, do samba ao pagode e a bossa nova...
Creiam, não há combinação mais perfeita... Nem os povos do Mediterrâneo, criadores desse maravilhoso ingrediente tinham idéia de tal perfeição!

Minha pequena oliveira se mudou... seu pano de fundo não é mais o azul maravilha do Atlântico Sul, mas o branco rasgado dos Arcos, do Convento de Sta Teresa e as curvas do Pão de Açúcar.
Estou convencido de que essa pequena mudança é o início da realização desse acalentado sonho: acrescentar a nossa incomparável qualidade de vida, a poesia e história que só bons extra virgens podem contar.  Estou certo, esse casamento vai dar o que falar.




04/07/2012

Azeite Chileno, uma renovação de aroma e sabor

Foi na cidade de Granada na Andaluzia em minha viagem à Espanha no mês passado que observei na praça central um monumento representando o encontro de Cristóvão Colombo com a rainha Isabel de Castela, no momento em que este pedia permissão para cruzar o Atlântico, rumo ao Oriente, viagem que o traria à América.  Em um país que voltava a ser ocupado pelos católicos após 8 séculos de dominação moura, a cena é bastante siginificativa e um marco histórico da expedição  composta pelas três famosas embarcações (Santa Maria, Pinta e Nina) que partiram da cidade de Palos de la Frontera no dia 6 de setembro de 1492 para aportar em uma ilha das Bahamas no dia 12 de outubro do mesmo ano.  O fato marcou a história da civilização ocidental e seus desdobramentos estão fortemente presentes na cultura de ambos os continentes.
Em minha recente viagem ao Chile, ao visitar a região do Maule, maior produtora de azeites desse país, me veio a mente a imagem daquela colossal e bela escultura em bronze, representando a tão famosa cena e fiz interessantes reflexões no momento em que degustava os saborosos extra virgens dos Olivares de Quepu.
Foram os fenícios, seguidos pelos romanos e árabes que instituiram a cultura da oliveira em toda a Península Ibérica.  Segundo alguns historiadores, a região da Andaluzia abastecia o centro do Império Romano com seus azeites desde o século I a.c e, curiosamente, até os nossos dias observamos a continuidade deste comércio entre as regiões, obviamente realizado em termos mais civilizados, mas não menos ortodoxos.
No momento histórico em que Colombo aventurou-se pelo Atlântico rumo ao Oriente, Granada era palco da retomada cristã, conquista que se expandiu com as viagens marítimas e que marcou o fim do que se chamou a "Guerra da Reconquista" pelos católicos e que transformou radicalmente a cultura de toda a Península.
Entre altos e baixos a produção do famoso óleo nessa região sempre permeou as relações políticas, comerciais e sociais e após tantos séculos de cultivo, testemunhamos hoje o que eu chamaria de um renascimento da cultura do azeite, cujo desdobramento maior se dá nas regiões produtoras não tradicionais, como o Chile.
O fato é que este belo e curioso país há apenas 15 anos se aventura na produção deste tão cobiçado ingrediente e podemos considerar que o tem feito com primor, fazendo da qualidade o seu grande diferencial, favorecido por uma legislação que proibe o refino em seu território e por um terroir com características muito especiais.
1492 é a marca escolhida para os três varietais (Arbequina, Frantoio e Picual), Oromaule, ouro da região do Maule é o seu blend.  Com essas quatro variedades, os Olivares de Quepu chegaram ao  mercado brasileiro e principalmente o carioca há cinco anos com atributos sensoriais jamais conhecidos anteriormente, uma vez que desde sempre consumimos azeites de má qualidade por imposição dos principais produtores que nunca viram em nosso consumo o grau de exigência necessário que compensasse o envio de bons produtos, nem interesse que os viabilizasse.
Os ventos mudaram, Espanha, Italia, Grécia e Portugal são hoje os principais atores da crise econômica européia e detentores de mais de 80% da produção mundial de azeites.  Em busca de novos mercados, uma nova reconquista está em curso e nesta, embora não haja espaço para guerras sangrentas, mantém-se a tradição para as traições, as fraudes e as negociações escusas (elas são intrínsecas às relações humanas), mas o que direcionará o movimento é a qualidade que o consumidor saberá exigir.  O que desejo aqui ressaltar é que o momento em que nos encontramos é uma oportunidade rara de aprender a dar os passos certos na escolha do que queremos.  Para isso, ter uma referência sensorial é de suma importância e esse caminho foi aberto por um azeite hermano que agora está dando espaço ao renascimento das tradições mediterrâneas, fazendo com que o frutado, o verde, o picor e amargor de um bom extra-virgem estejam ao nosso alcance, trazendo-nos sensações únicas nas harmonizações com a gastronomia brasileira, tão rica e variada quanto os terroirs que fornecem esse óleo místico, essência e tradução da terra, elevando ao infinito nossas possibilidades para que agora recebamos de braços abertos os bons e verdadeiros azeites do Velho Mundo.








14/06/2012

Banquete na Roça, consumo consciente e a Rio+20

Em dias de reflexão sobre o meio ambiente, quando a nossa cidade é mais uma vez sede da Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, vale citar algumas ações pontuais por parte da sociedade civil que visam a transformação das circunstâncias que ora testemunhamos, quando a degradação do meio em que vivemos se evidencia a cada dia, mediante um nível de consumo que não se sustentará nos próximos anos.
Como membro do Instituto Maniva,  uma OSCIP formada por Ecochefs que utilizam a gastronomia como instrumento de transformação socioambiental, tornou-se ainda mais enfático em minha vida profissional os debates sobre o consumo consciente e a importância da produção agrícola saudável.
Em meus estudos sobre azeites, procuro ressaltar o caráter sensorial desse precioso ingrediente, presente apenas naqueles que são produzidos cuidadosa e criteriosamente, pois costumo dizer que a azeitona é a expressão máxima da essência de um terroir, aliada à dedicação e amor daquele que a produz, sendo o azeite extra virgem a sua tradução.  
Desta forma, nada mais adequado do que associar  esse óleo sagrado, alimento ancestral da humanidade aos acordos que as Nações estão se esforçando para assinar em conjunto e que, nós cariocas e brasileiros estamos testemunhando in loco, como uma oportunidade única de sermos os protagonistas de ações históricas que mudarão definitivamente o panorama do consumo para as futuras gerações.
Com isso em mente, no próximo dia 24 de junho, os Ecochefs Maniva promoverão o Banquete na Roça, no distrito de Amparo em Nova Friburgo, região devastada pelas chuvas em janeiro de 2011, quando cerca de 780 famílias rurais perderam tudo.  
“Frente a esta realidade, mostra-se fundamental o conhecimento e a participação civil na reconstrução deste belíssimo patrimônio, principalmente pelo fato de o Rio de Janeiro ser o seu maior mercado consumidor”, afirma o Ecochef Joca Mesquita.
O projeto pretende mapear os produtores da Região Serrana, seus produtos e sazonalidades. Segundo a presidente do Maniva,  a Ecochef Teresa Corção, "a ideia do evento é estimular a venda de alimentos orgânicos, melhorar a qualidade de vida e o bem-estar dos agricultores familiares e dos consumidores".
O Banquete acontecerá no sítio Flor de Nova Friburgo em parceria com o Grupo de Orgânicos da Serra.  O produtor Flavio Jandre e sua família, proprietários do sítio, estão motivados com a ação.  Ele acredita que esse movimento difundirá a agricultura orgânica ao mostrar que é possível viver da própria produção.  "Queremos que mais pessoas se interessem pela produção orgânica e valorizem o nosso trabalho" - afirma.
Como não poderia deixar de ser, como Ecochef especialista em azeites, terei a honra de apresentar aos convidados do banquete o primeiro azeite paulista 100% brasileiro, produzido na Fazenda Ronco D'Água no município de Silveiras, fruto da corajosa iniciativa de dois empreendedores, Aníbal Cury e Dominique Pierre Faga. 
Um jovem olival, localizado a 1.200 mts de altitude e 237 km da cidade do Rio de Janeiro produziu o azeite da Serra da Bocaina, cuja variedade arbequina apresenta um frutado leve e um frescor únicos, conferindo-lhe personalidade e possuindo todo o potencial para se desenvolver como um bom azeite gourmet.
A origem dos alimentos precisa ser repensada, cuidada, pois dela depende o nosso futuro.  Os debates que nesse momento ocorrem não devem cessar no dia 24.  Independentemente das decisões políticas, precisamos agir para conscientizar um número cada vez maior de pessoas sobre a interdependência entre todos os seres, como a bela metáfora da rede de Indra que explica a interligação da vida.
"Consta que o palácio do deus Shakra Devanan Indra, que representa o poder da natureza, é coberto por enorme rede ornamentada com incontáveis gemas que cintilam em muitas cores diferentes.  Não há nenhuma pedra no centro da rede; cada uma delas fica igualmente no centro do todo.  E cada gema reflete as outras gemas, fazendo-as brilhar com todo esplendor e criando um mundo magnífico e perfeitamente harmonioso".  
Assim somos nós, cada um como um nó numa teia infinita de relações mútuas.

 Os Ecochefs Teresa Corção, Ana Ribeiro, Joca Mesquita e eu
 A Fazenda Ronco D'Água e seu jovem olival

 O primeiro azeite paulista 100% brasileiro

A Rede de Indra