30/04/2012

Azeites e a escolha de rótulos.

Diante de uma oferta cada vez maior de rótulos à nossa disposição, diversidade nunca antes vista nas prateleiras dos estabelecimentos comerciais no Brasil e com tantas notícias sobre o que é verdadeiro e falso no mundo dos azeites, valem algumas dicas para que possamos fazer escolhas menos temerosos, pois para todo óleo sempre haverá um uso adequado, nem que seja para a dobradiça da porta ou para a correia da bicicleta... Não é brincadeira não; há azeites vendidos como Extra Virgens nos supermercados brasileiros, cujo uso não deveria ser outro que não para lubrificar juntas ou máquinas.  Vamos então as classificações que podemos encontrar nos mercados:
  • Óleo de sansa de oliva é um sub-produto da azeitona, produzido a partir da segunda prensagem do bagaço da fruta com a adição de solventes químicos para se extrair o máximo de óleo que não foi possível na primeira prensagem.  Sua comercialização está proibida na Comunidade Européia devido à presença do solvente encontrado em concentrações variadas, que podem prejudicar a saúde.  Nos  mercados está sendo comercializado com a nomenclatura italiana (sansa) ou espanhola (orujo) e com a entrada em vigor da Instrução Normativa brasileira, será denominado Óleo de Bagaço de Oliva e sua comercialização não será proibida.  Seu uso, comercialmente falando, é indicado para os preparos culinários mas, como mencionei acima, eu não o usaria para alimentação.
  • Azeite de oliva é resultado da mistura de azeites refinados (corrigidos quimicamente) com um pequeno percentual de azeite virgem.  Óleos sob esta classificação podem e devem ser utilizados nos preparos culinários, mas jamais para finalização, ou seja, não devem ser utilizados crus. São pouco aromáticos e não possuem compostos fenólicos (anti-oxidantes).  Assim como nos extra-virgens, em sua composição encontra-se grande concentração de gordura mono-insaturada, por esse motivo podem ser submetidos a altas temperaturas e são excelentes para frituras e refogados, uma vez que o ponto de queima é o mais alto entre todas as gorduras vegetais.
  • Quanto aos extra-virgens, são tantas as armadilhas e fraudes existentes que aí sim, é preciso fazer as escolhas adquirindo o discernimento através de parâmetros de qualidade aos quais finalmente estamos tendo acesso.  Procure estabelecimentos que ofereçam degustação dos produtos e nesse momento, sabendo que os atributos positivos de um bom azeite são o frutado, o amargor e a picância, inicie seu próprio percurso pelo vasto mundo do caminho sensorial. Creia, é uma fascinante e prazerosa aventura também sujeita a decepções.
  • Na impossibilidade de degustá-los, um dos primeiros parâmetros sobre o qual devemos nos basear é o famoso custo/benefício.  Azeites extra-virgens por menos de R$ 7,00 a garrafa de 500 ml, esteja convicto, não é azeite, seguramente é uma mistura grosseira dos mais variados óleos vegetais com azeites defeituosos ou corrigidos por refino químico.
  • Na faixa de preço entre R$ 7 e R$ 12, iniciamos o percurso por um terreno insondável, onde estaremos longe de ter boa qualidade, mas já poderemos nos aproximar daquilo que consideramos razoável, com poucos atributos positivos, cujo uso sugeriria ainda para a culinária e não para as finalizações.  Nessa faixa de preço estão todos os famosos blends da grande indústria, são os extra-virgens de combate.
  • Acima deste valor, o preço deixa de ser um parâmetro, tamanha é a diversidade deste mundo e a aí podemos de tudo encontrar.  O percurso que cada um se dispõe a iniciar a partir de então diz respeito à memória sensorial e ao gosto pessoal.  Uma vez que possuimos essa memória "colonizada" é preciso nos dispor aos novos e incríveis sabores e aromas que os verdadeiros extra-virgens possuem, quebrando os paradigmas sobre seu uso, desmitificando as lendas existentes.
  • Uma das famosas lendas é a escolha por acidez.  Como dito em minha postagem específica sobre o assunto, publicada em 23 de novembro de 2011, este não deve ser uma referência para a escolha pelo simples motivo de não dizer respeito a gosto, pois é imperceptível ao paladar.  Grau de acidez é um parâmetro químico de qualidade (ácido grasso livre, proporcionalmente ao ácido grasso (oléico), principal componente do azeite).  Acidez é sinônimo de que as frutas estavam saudáveis, com excelente qualidade no momento em que foram processadas.  É também parâmetro de classificação e na Instrução Normativa do Brasil, sua inclusão no rótulo não será obrigatória e, uma vez impressa, outros parâmetros também deverão ser informados (indíce de peróxidos e refração de ultra violeta), com a mesma fonte e tamanho.
  • Caso avance na sua apreciação, tenha mais de uma ou duas variedades de extra-virgens para usos diferenciados.  De uma forma geral, as harmonizações com azeite são feitas por semelhança e não por oposição.  Assim, extra-virgens intensos são ideais para preparações mais condimentadas, carnes vermelhas ou caça; extra-virgens mais leves, para saladas e carnes brancas.
Dito isso, podemos perceber que este óleo tão sagrado quanto profano provoca as mais diversas emoções nos milhares de anos presente na civilização humana.  Alimento ancestral de incomparável valor, sua diversidade de aromas e sabores, assim como seu valor nutricional faz dele um ingrediente único, alimento disputado, sagrado, cuja qualidade não pode ser disponibilizada para os padrões de consumo atual e, por isso mesmo é vilipendiado e intensivamente fraudado.  O que de fato precisamos construir é um conhecimento sensorial que crie em cada um o poder da escolha a partir do gosto pessoal, conhecendo então onde podemos encontrar os propalados benefícios à saúde, deixando assim de ser enganados, fato que se tornou a regra ou até mesmo o maior objetivo da grande indústria alimentícia.




17/04/2012

Definição de parâmetros, nomenclatura e os novos rumos da comercialização dos azeites no Brasil

Por iniciativa da JKPG Consultoria, diga-se Jairo Klapp e Patricia Galasini, um grupo de especialistas, formados como degustadores profissionais de azeite e apaixonados pelo assunto, realizaram neste fim-de-semana no Senai da Barra Funda na capital paulista, a primeira de uma série de reuniões com o objetivo de adequar parâmetros sensoriais, definir nomenclatura e padronizar termos para tudo o que envolve o comércio, a produção, o consumo, a degustação e a futura capacitação técnica de novos profissionais no Brasil.  
A publicação da Instrução Normativa no D.O da União em fevereiro último, sua entrada em vigor no próximo ano, o incremento do plantio de oliveiras visando a produção do óleo e o expressivo aumento do consumo, fazem com que esta iniciativa seja mais que valorosa e necessária, pois urgente ela já é.  
O desconhecimento geral sobre este rico produto da natureza, principalmente a respeito de sua diversidade sensorial é quase total no Brasil e dá início a deturpações e desinformações  perigosas que podem nos conduzir pelo caminho equivocado não só na incipiente produção (a voracidade financeira em detrimento da ética), como no consumo, uma vez que temos a memória sensorial mal formada pelos péssimos azeites que historicamente consumimos.
Termos como azeitólogo, azeitoteca, provador de azeite, azeitófito... parâmetros e padronizações, tudo começou a ser exaustivamente debatido tendo como base a nova legislação brasileira e as definições do principal organismo internacional regulador, o COI (Conselho Oleícola Internacional).  
Impressiona-me ler as inúmeras notícias, sobre a produção no sul de Minas e no Rio Grande do Sul, comparando os azeites ali produzidos a produtos gourmets, cujo valor agregado evidencia "um novo eldorado" no agronegócio brasileiro, como se os jovens olivais do Brasil pudessem precocemente responder aos naturais anseios humanos pelo lucro fácil e em pouco tempo produzir um ingrediente com o mesmo valor e qualidade que os tradicionais e milenares terroirs da região do Mediterrâneo.
Como na vida, há o tempo da semeadura e o tempo da colheita e a Olea europea, nome científico da oliveira, nos dá inúmeras lições e pode nos ensinar com sua milenar existência uma virtude hoje muito rara no mundo contemporâneo: a paciência.
São válidas todas as experiências genéticas feitas com a planta para que se adapte às condições tropicais e bem sabemos que em nosso país, "em se plantando tudo dá".  Pessoalmente sou favorável a todas as iniciativas empreendedoras e estou convicto de que produziremos bons azeites, mas, há que se compreender que, em se tratando de extra virgens, para que se produza com a excepcional qualidade que esse nobre óleo naturalmente possui, não basta o conhecimento científico e investimentos vultosos, é preciso experiência, tempo, paciência e sabedoria, pois azeites tem vida própria, alma e obedecem a critérios empíricos que a lógica nem sempre pode explicar. 
Há quem me chame de sonhador, utópico, romântico e fora da realidade, mas o tempo que estamos vivendo requer reflexão, nova consciência e, sobretudo, resgate do elo perdido com a alimentação, há muito pasteurizada com a industrialização.  Posso aqui lhes afirmar que as percepções sensoriais que um bom extra virgem proporciona pode em muito contribuir para a reconstrução desse elo. Daí a necessidade de se elucidar as diferenças para corrigir os rumos tomados.
Em postagens anteriores já falei sobre os fatores que influenciam na qualidade do azeite (da variedade, ao modo de produção e terroir) e há extensa literatura a respeito do assunto.  O que quero ressaltar é que neste momento em que ingressamos em um novo patamar de consumo e damos início à produção nacional, não há discernimento claro sobre todos os valores que o azeite agrega à alimentação e as informações tão desencontradas e confusas podem nos fazer perder a oportunidade de reeducar nosso paladar com novos parâmetros, deixando de enriquecer sensorial e nutricionalmente as preparações da nossa rica culinária, com o uso correto que o óleo requer. 
Portanto, caro leitor, a cada um uma missão azeitada... para o produtor, paciência, pois sua dedicação e persistência lhe trará a mais rica e ancestral cultura agrícola; para o comerciante e importador, lisura e honestidade, pois ao fornecer produto tão rico, estará empreendendo um serviço de saúde pública e qualidade de vida; para o cozinheiro, a magia, a poesia, a arte de enebriar e proporcionar prazer e bem estar único ao conviva; e para o apreciador, o deleite e a construção de momentos que em todos os sentidos se tornarão inesquecíveis.
Dessa forma, estaremos trabalhando para que, ao conhecer os novos produtos que estão chegando ao mercado brasileiro, o consumidor possa fazer suas escolhas com informações essenciais e ao optar pelo diferencial, estará optando pela saúde, longevidade e qualidade de vida.