29/08/2012

Os Verdadeiros Azeites Portugueses e novos horizontes sensoriais

Temos a impressão de que são velhos conhecidos, afinal desde a vinda da família real portuguesa eles já andam por aqui e, comercialmente falando, já se vai quase um século que se encontram em nossas prateleiras, fazendo parte da composição de inúmeras preparações de nossa culinária.
Eles são os mais tradicionais, sentimo-nos familiarizados com o sabor e temos em nossa memória afetiva seus aromas marcantes.  Estou falando dos famosos azeites de oliva portugueses, vendidos em lata, onde a opção de extra virgem praticamente inexistia.  Tinham custo alto, eram usados comedidamente e restritos àqueles que podiam pagar em média mais de dez vezes o valor de uma embalagem do óleo de soja, gordura vegetal mais conhecida entre os brasileiros.
Para popularizar seu uso foram criados os óleos compostos (óleo de soja e azeite de oliva), onde uma das mais famosas marcas criou um jingle até hoje inesquecível ("Oh Maria, sai da lata e vem prá mesa").  Tornou-se tão popular que em pesquisa recente feita em supermercados, ao abordar os consumidores para citar o nome da primeira marca de azeite conhecida, o célebre rótulo de óleo composto foi o mais mencionado.
Dessa forma, como país "periférico", "colonizado" e "pouco informado" fomos habituados a azeites cuja riqueza e variedade sensorial e nutricional sempre deixaram a desejar.  Ainda que esses produtos tenham sua utilização e finalidade, na ausência de uma referência de qualidade, passamos ao largo da excelência durante todos esses anos.
Portugal não é um grande produtor de azeites, está em décimo primeiro entre os maiores do mundo com apenas 2 % da produção mundial.  No ano 2010/2011 produziu 63 mil toneladas, exportou 47 mil e consumiu no mercado interno 89 mil toneladas.   Esse números não são propriamente uma surpresa e matematicamente se explicam quando sabemos que o ano de 2010 foi um marco no agronegócio português, quando, pela primeira vez após 30 anos, o país exportou mais azeites do que importou.  Em 5 anos as vendas para o exterior saltaram de 28 mil toneladas para 47 mil, gerando renda de aproximadamente 160 milhões de euros, sendo o Brasil responsável pela compra de 55% desse volume.
Pois bem, nos últimos 8 anos testemunhamos uma verdadeira revolução no consumo de azeites no Brasil e o panorama acima descrito se transforma a cada ano, a cada mês, a cada dia, com a chegada de novos rótulos da "terrinha" (e de outras origens), que para nossa felicidade trazem inúmeras novidades, revolucionando nosso conhecimento sensorial e nos surpreendendo com seus novos aromas e sabores.
Um tanto surpresos, passamos a entender que as marcas mais tradicionais de azeites portugueses vendidos no Brasil não são produzidos em Portugal, mas apenas embalados (granel ou garrafas).  O país importa azeites baratos principalmente da Espanha, Tunísia e Grécia, corrige seus aromas defeituosos em seu território e nos vendem na maioria das vezes com rótulos equivocados (mas com o famoso brasão) a preços bem acessíveis. 
Se o momento é de mudança, é hora de aproveitar!  As inúmeras marcas agora disponíveis no país contam histórias totalmente diferentes...
Azeites de excelência como o QUINTA DO BISPADO, QUINTA VALE DO CONDE, CASA DE SUCÇÃES, OLIVEIRA RAMOS, QUINTA DO PASSADOURO para citar apenas alguns, são exemplos das novas maravilhas que desembarcaram no Brasil e apresentam nuances sensoriais que elevam nossa alma ao infinito.
São azeites extra virgens de terroirs distintos, pequena produção, com denominação de origem e blends de variedades portuguesas (cobrançosa, verdeal transmontana, madural, negrinha).  Tem sabores igualmente distintos, mas todos distinguem-se pela harmonia do frutado, amargor e picância, conferindo um frescor até então impossível, para nós, de ser reconhecido em um azeite.
São oriundos do Alentejo e de Trás-os-Montes, onde a combinação de solos xistosos, clima agreste, elevadas amplitudes térmicas e baixo índice pluviométrico propicia a criação de uma olivicultura de excelência.
Não são os únicos, há inúmeros outros chegando às nossas prateleiras, mas seriam necessárias muitas linhas para descrever as características e a poesia que inspiram.
O fato é que há alguns anos nossas referências começaram a mudar e o melhor disso é que desde então estamos tendo a oportunidade de escolher bons produtos que trazem em si um conteúdo verdadeiro.
Talvez novas classificações serão necessárias para diferenciar os extra virgens de combate dos de excelência, os primeiros com a grande e positiva vantagem de popularizar o uso, os outros para traduzir em seu conteúdo a história, a cultura e as sutilezas poéticas que terroirs específicos e abençoados possuem, pois carregam em si poderes curativos, infindáveis benefícios à saúde e indescritíveis emoções à alma.
Azeite Extra Virgem é um dos alimentos mais completos a nossa disposição, presente da Deusa Athena, há milhares de anos orna a cabeça dos vitoriosos, é sagrado e um santo remédio.
Sinto-me a vontade para repetir a máxima que sempre nos orgulhamos de dizer, a de que "Deus é brasileiro".   Se assim for, agora sua benção está completa.


06/08/2012

Maria da Fé e o Azeite Brasileiro

Do dia 13 ao dia 22 de julho, o município de Maria da Fé realizou seu já tradicional Festival de Inverno de Arte e Design, iniciativa da secretaria de cultura para promover o turismo na cidade e valorizar os artistas e artesãos locais, bem como as novas atividades econômicas do pequeno e significativo município da região sul de Minas Gerais.
Como é de conhecimento de muitos, é nesta cidade que está localizado o Núcleo Tecnológico da Azeitona e Azeite pertencente à Fazenda Experimental da EPAMIG, onde ocorrem as primeiras pesquisas sobre o cultivo da oliveira e a produção de azeite no Brasil.
Desde 2008, quando foi produzido oficialmente o primeiro azeite extra virgem brasileiro, marco do agronegócio em nosso país, venho curiosamente acompanhando o desenvolvimento do projeto, cujo coordenador é o engenheiro agrônomo Sr. Nilton Caetano, maior responsável pelo implemento da cultura da oliveira no Brasil.
A convite da secretaria de cultura, ministrei um curso de degustação de azeites da região no festival desse ano, evento que se realizou no dia 22.7.
A uma altitude de 1200 mts, em meio a Serra da Mantiqueira, encontra-se um micro clima onde as oliveiras estão não só se adaptando, mas já produzindo azeitonas, cujo azeite recém produzido começa a apresentar as características que contam a história do terroir.  
Foi a mais grata e bela surpresa que pude ter ao degustar os cinco rótulos a disposição, sendo um deles da Serra da Bocaina, região próxima, no estado de São Paulo, com micro clima distinto, mas cujo conhecimento de produção tem origem nas pesquisas deste Núcleo.  Digo grata surpresa, pois há pouco mais de dois anos atrás, na análise sensorial feita por um grupo de especialistas, no qual me incluo, a degustação de um único rótulo da própria EPAMIG não apontou boas características, o que não surpreendeu, tendo em vista a natural inexperiência, as condições e a jovialidade da produção.
Azeite Dona Maria da Fé, Azeite Fazenda Bom Retiro, Azeite EPAMIG (variedade Grappolo), Azeite EPAMIG (variedade Arbequina), Azeite da Serra da Bocaina (variedade Arbequina).
Com características muito próprias, um mais harmônico do que outro, mais ou menos intenso em frutado, amargor e picância, todos são originários de olivais muito jovens com grande potencial para produzir azeites que em nada ficarão a dever aos produtos das regiões tradicionais.  Em apenas dois anos, o desenvolvimento foi extraordinário.
Azeites, ao contrário de muitos vinhos, devem ser consumidos bem frescos e a proximidade com a região de origem é um requisito importante no fator qualidade e, ainda que, como alegam alguns especialistas, as características climáticas do Brasil não sejam as ideais para os azeites gourmet, estou absolutamente convicto de que as pesquisas em curso e a sábia adaptação da planta aos micro climas próximos ao ideal, nos inserirão no rol dos países produtores e, em muito breve, estaremos suprindo um pequeno percentual do consumo no país com um produto de qualidade, é uma questão de paciência, persistência e profissionalismo, atributos que não nos faltam...
A procura pelo curso superou as expectativas da secretaria de cultura, evidenciando o crescente interesse pelo assunto, não só por parte dos produtores, mas também dos profissionais de gastronomia locais e os próprios moradores que estão se dando conta de que em sua cidade estão produzindo azeites que traduzem suas riquezas... 
Sim,  azeites extra virgens legítimos são a verdadeira e poética tradução da essência de um terroir, que inclui não apenas a relação do solo com o micro clima, mas a cultura da produção, a paixão e determinação com que é produzido e a tradição que se inicia a partir do novo cotidiano imposto pelo cuidadoso cultivo que a planta requer.
Dessa forma, podemos perceber que nos encontramos definitivamente percorrendo um novíssimo caminho no consumo de azeites, pois nossa própria produção vai de encontro aos novos rótulos de qualidade que estão sendo apresentados em nossas prateleiras e tudo isso nos disponibiliza um conhecimento que se amplia infinitamente.  Quanto prazer!  A gastronomia brasileira agradece e enriquece.