26/11/2012

A Andaluzia e os novos azeites espanhóis


Os procedimentos para a obtenção do azeite foram introduzidos na Espanha durante a dominação marítima dos fenícios em torno de 1.050 a.C e alcançaram notável desenvolvimento com o domínio de Roma (45 a.C).
Na ocupação árabe, o cultivo de outras variedades no sul do país influenciou na difusão da cultura, a tal ponto que muitos vocábulos castelhanos, como aceite (zeit) e aceituna tem raízes árabes e hoje a região é a maior produtora do mundo.
A produção do azeite de oliva está concentrada majoritariamente nos países mediterrâneos, onde se encontram 99% das áreas cultivadas.  A Espanha participa com aproximadamente 50% deste total - segundo últimos dados do COI (Conselho Oleícola Internacional), a produção de azeites espanhóis no ano passado foi de aproximadamente 1.400.000 toneladas, sendo a  Andaluzia responsável por 1.160.000 t, ou 80% da produção nacional.
O cultivo da oliveira é predominante nesta região, onde a paisagem, a cultura e a economia são evidentemente marcadas pelo setor, extremamente dependente do fator climatológico e dos ciclos biológicos da planta, que alterna anos de grandes colheitas e outras muito escassas.  No entanto, o emprego da tecnologia nos sistemas de cultivo e obtenção do azeite tem permitido um constante crescimento na produção média anual.
De agricultura intensiva, é evidente que a política local visa a quantidade em detrimento da qualidade e toda a infraestrutura de produção está absolutamente voltada para estes objetivos.
Estudando os dados que constam no site do COI e as notícias mensalmente distribuídas em seus informativos, procuro entender os movimentos que regulam os preços internacionais e, embora essas análises não sejam o meu forte, fica claro que as grandes indústrias ditam as regras regulando estoques com as coniventes políticas públicas européias e os pequenos produtores são obrigados a obedecer a esses drásticos mecanismos, vendendo suas produções ou fechando as portas.  Nessa política, obviamente, a qualidade com as percepções sensoriais e as riquezas nutricionais a ela relacionadas são pouco levadas em consideração.
Como Ecochef do Instituto Maniva e membro do Slow Food Internacional sei perfeitamente que isso não é uma novidade e que esse movimento não se resume ao setor oleícola, mas nada mais desafiador do que mergulhar em uma cultura tão fascinante, conhecer seus pormenores e unir forças pela preservação de ricos e inigualáveis valores.  Na  produção e cultivo tais valores são considerados detalhes intrínsecos à sabedoria de uma planta milenar que extrai da terra sumos que traduzem uma herança ancestral deixada por deuses, tão bem contada pela mitologia e com significados até mesmo religiosos.  Nos aromas e sabores dos verdadeiros extra virgens, creiam, encontra-se esta tradução.
Meu encontro com a Dra. Brígida Jimenez Herrera no ano passado em uma apresentação no Instituto Cervantes do Rio de Janeiro foi fundamental para a compreensão deste panorama.  Minha mestra é doutora em Farmácia pela Universidade de Granada, diretora do IFAPA (Instituto de Investigación e Formación Agraria e Pesquera) da Andaluzia, pesquisadora, jurada de inúmeros prêmios internacionais e é considerada uma das maiores experts em degustação de azeites da Espanha.
A seu convite participei em maio deste ano de um curso de degustação nesta renomada instituição e sob sua orientação retornei para acompanhar a colheita e produção na região, além de participar do 2º Congresso Internacional de Análise Sensorial que acontecerá nos próximos dias 26 e 27 de novembro em Priego de Córdoba.
Hospedado no alojamento estudantil deste Instituto, cercado de olivais por todos os lados, vivo desde que cheguei no último dia 16 com uma intensidade absoluta, sorvendo informações bibliográficas e testemunhando um cotidiano fascinante com inúmeras seções de degustações dos novos azeites que estão saindo dos moinhos, mergulhando em um mundo sensorial incomparável, que se inicia ao tocar os frutos para colhê-los em oliveiras muitas vezes centenárias, deitando-me em suas sombras para ouvir suas raízes.
Ao conhecer as entranhas dos institutos de pesquisas e estudo em toda a região, assim como os novos modos de produção e colheita, percebe-se que o momento na Espanha é de forte investimento na modernização tecnológica com o objetivo de melhorar os níveis de qualidade dos produtos, criando associações e certificações como elementos necessários para a diferenciação.
Além disso, a grave crise econômica parece gerar reflexões que levam à cooperação e ao pensamento sobre uma reinvenção do sistema atual como um todo.  Hoje há bastiões de resistência pela preservação desde olivais silvestres com suas diferentes espécies àqueles, cuja produção não é tão lucrativa, mas que possuem valores históricos e humanos que não podem ser medidos financeiramente.
São mais de 256 variedades catalogadas em todo o país, todas com suas peculiaridades que variam de acordo com o solo, clima, modo de cultivo e produção, fatores que influenciam diretamente na composição química do fruto e consequentemente nos parâmetros sensoriais do azeite.  Entre tantas, podemos destacar as principais e mais conhecidas, cujas características tornaram-se referências para as degustações:  Arbequina, Picual, Hojiblanca, Picudo, Cornicabra, Manzanilla, cada uma com atributos distintos que se diferenciam em suas intensidades de amargor, frutado e picor.
É um mundo fascinante que se revela para nós brasileiros...
Azeites de oliva, produto do refino químico, misturados e sem sabores, tradicionalmente presentes em nossas prateleiras sempre terão seu lugar no mercado, mas as opções que agora temos à disposição apresentam possibilidades infinitas de uso e harmonização, além de muito enriquecer nutricionalmente nossa dieta.
Como insisto em dizer, o caminho está aberto... seja produzindo nossos próprios azeites ou importando-os, devemos conhecê-los para fazermos nossas escolhas corretamente. 
Se o momento é favorável, pois somos um novo mercado, que venham todos, com qualidade, pois finalmente estamos aprendendo a saber o que é bom neste vasto e particular mundo.

Bibliografia: Jimenez, Brígida - Tesis Finalis


 A colheita mecanizada
 A análise sensorial
 Minha mestra, Brígida Jimenez e seu marido no almoço da entrega do prêmio Nuñes de Prado
Baena - 25.11.2012

22/11/2012

O Terroir Carioca e uma Viagem a Andaluzia

 
Foi na tarde do dia 29 de outubro último que aconteceu um marcante evento em um dos botecos mais premiados do Rio de Janeiro, o ENCHENDO LINGUIÇA.  
Promovido pela VILA DE AROUCA e por sugestão da ESTILO GOURMET, foram apresentados cinco extra virgens portugueses legítimos harmonizados com tradicionais petiscos do menu do famoso botequim, em sua recém inaugurada filial da Lapa.
A comida com que nos divertimos e que tanto caracteriza nosso estilo de vida teve finalmente o merecido acabamento com premiados azeites, que agora chegam ao mercado brasileiro e que, seguramente, nos farão abandonar as tradicionais latinhas engorduradas de azeites de oliva (não extra virgens), cuja utilização deve ser única e exclusivamente a culinária.
Levei um certo tempo para escrever sobre o evento.  O ofício da dissertação gastronômica nem sempre é simples de ser feito, envolve emoções que precisam ser amadurecidas para serem descritas, principalmente quando proporcionam sensações tão novas. 
O fato é que ali, naquele fim de tarde, mais uma experiência se somou ao caminho que decidi percorrer ao estudar o precioso “fio de ouro”.   Ao descobrir tanta riqueza, tornou-se uma missão transmitir esse ancestral conhecimento ao maior número de pessoas possível, pois ainda que azeites sejam comercializados no Brasil desde o início do século XX, nunca recebemos produtos de qualidade. 
Ouso dizer que o momento que vivemos é de reintrodução desse “novo” ingrediente em nossa culinária e, a cada vez que me aprofundo nos estudos e nas pesquisas que realizo, mais me convenço do quanto essa diversidade pode se somar às tradições da gastronomia brasileira. 
Com uma viagem marcada em novembro para o sul da Espanha, decidi afinal redigir essas palavras, na região da Andaluzia, onde me encontro para participar do I Congresso Internacional de Análise Sensorial, que ocorrerá na cidade de Priego de Córdoba entre os dias 26 e 28 de novembro próximos e, no momento, acompanho as colheitas que se iniciaram no princípio deste mês com a produção dos azeites novos.
É sem dúvida um novo alvorecer... das tradicionais latas de azeites de oliva, com sabores planos e poucos aromas, para extra virgens legítimos com um frescor distinto, herbáceo e frutado que nos remete à sensações nunca experimentadas em nossos pratos. 
Variedades infinitas, delicadezas distintas e aromas evidentes... Nada do que estamos experimentando agora, com os novos produtos que chegam as prateleiras nos remete à nossa infância vivida neste belo país tropical, quando tínhamos à disposição apenas os azeites de oliva ou óleo compostos, com sabores planos e nenhuma nuance.
Entre as experiências vividas naquele evento na Lapa há três semanas e o que tenho testemunhado aqui desde que cheguei, resta a convicção de que, para além dos prazeres sensoriais e dos valores nutricionais que os bons extra virgens nos portam, multiplicar-se-ão infinitamente as possibilidades de enriquecer ainda mais nossa cultura e memória, principalmente quando sabemos que o país atreve-se ao desafio de produzir este rico ingrediente.
É um mundo a parte...  espanhóis, portugueses, italianos, gregos, chilenos, argentinos, uruguaios, turcos, australianos, libaneses, brasileiros, este nobre óleo está sendo produzido nos mais diversos países, ultrapassando as costas do Mediterrâneo, cada um com sua variedade de aroma, sabor e riqueza nutricional.  Estamos aprendendo a usá-lo... pouco a pouco as informações a respeito são divulgadas e vamos percorrer nosso próprio caminho e, estejam certos, é muito mais saboroso do que podemos imaginar.