27/04/2013

Fritando em Azeite de Oliva

O título desta postagem é a tradução literal de um estudo escrito pelo nutricionista e pesquisador Dr. Gregorio Varela, professor da Universidade de Madrid.  Publicado pelo COI ( Conselho Oleícola Internacional) em 1994, o artigo explana claramente as razões pelas quais o azeite de oliva é a melhor gordura vegetal para uso em frituras por imersão.
Comum na região do Mediterrâneo, este método de cocção é muito antigo e popular,  criado com a produção do azeite de oliva.  Em muitos locais do mundo não é visto com bons olhos, onde alimento frito é considerado indigesto, pouco nutritivo, ou até mesmo nocivo à saúde. 
Para justicar seu estudo, o autor descreve a radical mudança de atitude ocorrida no início dos anos 90, quando a fritura por imersão (deep frying) voltou a ser um eficiente método de cocção para novos alimentos e usada em países onde nunca tinham ouvido falar. 

Segundo Dr. Varela, esta mudança se deve a três razões básicas:
  • Interesse crescente nos métodos de cocção em geral;
  • O papel da fritura na dieta Mediterrânea;
  • Inúmeras pequisas conduzidas por instituições, incluindo a Universidade de Madrid, sobre o processo de absorção da gordura (azeite) pelo alimento frito, evidenciando este como o mais saudável na manutenção do valor nutricional do alimento.
Com uma vasta bibliografia, citando inúmeras publicações científicas e congressos internacionais, o estudo nos esclarece didaticamente as razões pelas quais o azeite é a primeira indicação para este método de cocção específico.   
Essas informações nos auxiliam a derrubar mitos que apontam o azeite como uma gordura inadequada para o preparo alimentar.  

Tomando a dieta do Mediterrâneo como exemplo, comprovadamente a que proporciona à sua população considerável redução no índice de doenças cardiovasculares, a publicação faz minucioso relato das características de consumo de gordura nessa região e dos aspectos qualitativos e quantitativos da gordura consumida.  
O estudo é focado em fritura com azeite de oliva e afirma que nesta técnica uma grande proporção da gordura é drenada antes do alimento ser consumido.   Gráficos detalham a quantidade absorvida por alimentos gordos e magros, a troca de saturada por monoinsaturada no caso das proteínas e até mesmo a mudança da composição de gordura da batata frita no azeite.  
Todos os pontos relatados na publicação explicam as razões científicas que justificam as vantagens do azeite de oliva nas frituras por imersão e cita conclusões relevantes a partir dos processos da penetração da gordura no alimento enquanto fritoÉ importante aqui ressaltar que processos de cocção são parte essencial tanto da palatabilidade quanto do valor nutricional da preparação:

  • o tempo no qual a gordura quente age no alimento é extremamente curto e, se o processo é conduzido corretamente, atinge apenas a parte externa do alimento;
  • o processo ocorre na ausência de oxigênio;
  • a crocância da crosta formada é um fator de qualidade nos alimentos fritos pois incrementa a palatabilidade;
  • pelas razões acima, o processo de fritura por imersão causa menos perdas ao valor nutricional do alimento frito do que qualquer outro método de cocção;
  • pelas mesmas razões, a quantidade de gordura consumida e seu valor calórico é também menor do que em qualquer outro método de cocção;
  • um dos mais importante fatores da fritura com azeite de oliva é a possibilildade de manipulação da quantidade de gordura, reduzindo-a e aumentando a qualidade da gordura realmente consumida.  Este é um ponto de especial interesse em relação às doenças cardiovasculares.
O famoso ponto de fumaça ou de queima entre todas as gorduras não é citado na publicação.  Esses dados variam muito de acordo com a composição química de cada óleo e são muitas as divergências quanto aos números das tabelas.  O que posso afirmar, a partir de inúmeras publicações e por experiência própria, é que o azeite de oliva, até a temperatura média de 180º C, se mantém totalmente estável, ou seja, não ocorre a decomposição da gordura em glicerol e ácido graxo, conhecidos por provocar a formação de radicais livres quando ingeridos.

As técnicas culinárias e o hábito de comer se transformam com o tempo e são parte importante de nossa herança sócio cultural.   Cozinhar, por ser uma característica biológica do homem, sempre despertou grande interesse.  O que observamos hoje, na velocidade do tempo imposto pelo modo de vida é a maior privação sensorial da história coincidindo com a grande fartura e oferta de alimento industrializado.   O preparo alimentar e o momento de comer tornaram-se ações de menor importância e o critério de escolha do alimento é realizado por apelos exclusivamente comerciais.  Este panaroma está em plena transformação, quando torna-se vital conhecer nutricionalmente um alimento para quem quer aliar uma dieta saudável com o prazer de se alimentar.  

Informar que o azeite é um alimento ancestral, cujo consumo traz inúmeros benefícios a saúde e desmitificar informações equivocadas sobre seu uso tornou-se uma missão para mim.  Da fritura imersa ou superficial aos refogados e finalizações, o azeite de oliva pode ser usado amplamente com poucas restrições.  Vamos aprender a usá-lo, o valor que pagamos pela escolha do alimento correto se traduz em saúde, bem estar e, acima de tudo, muito prazer!






08/04/2013

Cozinha, território de transição cultural; Azeite, ingrediente de transformação.


O tempo tem sido escasso para escrever... Os incessantes trabalhos, consultorias, palestras e aulas sobre azeite demandam dedicação cada vez maior e nesse percurso reflito sobre as transformações culturais inerentes aos novos usos que os bons extra virgens requerem.
A partir da leitura do livro SABORES DO BRASIL EM PORTUGAL, da historiadora portuguesa Isabel Mendes Drumond Braga, lançado no Brasil há dois anos, percebi uma abordagem curiosa que trata da complexidade inerente a forma como culturas diversas se entrelaçam  e descreve como a cozinha é o território mais representativo dessa transição.

O colonizador ao encontrar e descobrir novas fontes de cultura, invariavelmente, também é encontrado e descoberto; e quando decide se alimentar dessa cultura é igualmente consumido.  Como o ato de comer é um ato de cultura, os navegadores ao chegarem no Novo Mundo empreenderam, a despeito de suas reais intenções, a maior revolução cultural que a Europa pôde testemunhar, ao inserir novos ingredientes em sua dieta.  
Na mão contrária, torna-se desnecessário mencionar a influência sobre a população originariamente brasileira. Estima-se que quando os portugueses chegaram, havia aqui 2 milhões de índios de diferentes etnias, que consumiam basicamente mandioca, peixe, carne, insetos e frutas, ao natural ou dissolvendo-as em água, cozido ou assado.  Aproveitavam as possibilidades da terra, se alimentavam de forma semelhante, comiam em silêncio, sentados ou agachados no chão, não utilizavam nem sal nem açúcar e tornaram-se bastante permeáveis às  novidades alimentares, quer européias ou africanas.

Como diz a autora, não é apenas o consumo que está envolvido no comer, mas todos os valores culturais atribuídos a determinado alimento.  A identidade cultural passa a estar em jogo e através dela passa-se a rejeitar, aceitar ou transformar determinado alimento a mesa.
 (...)“As rejeições, as adaptações e as transformações dos alimentos são mais do que meras questões de gosto ou de capricho, representam a essência do valor que é dado aos diferentes bens e conduzem a questões de identidade.”
Volto ao azeite e seus significados, alimento ancestral, trazido às nossas terras pelos colonizadores e desde o início do século XX aqui comercializado.  A identificação pouco a pouco se consolidou nesse período, assim como uma memória sensorial compatível com o produto oferecido, mas o alto custo de importação nunca permitiu que se tornasse um ingrediente largamente usado na culinária brasileira, sobretudo pela força da indústria dos óleos vegetais de semente, submetidos a refino, produzidos no Brasil em larga escala e com custo infinitamente menor.
Inúmeras variáveis fazem parte do longo processo de inserção cultural do azeite, ainda em curso e em plena transformação.  Extra Virgens de qualidade e sua diversidade eram até pouco tempo desconhecidos por nós brasileiros.
As reflexões que relato são fruto do percurso educacional que tenho empreendido com o objetivo de apresentar esse "novo" ingrediente ao consumidor brasileiro.  São tantas e tamanhas as nuances sensoriais dos novos azeites que estão aportando em nossas prateleiras que, para enteder sobre seu uso, reitero a necessidade de desconstruir a memória afetiva que nos remete aos azeites de uma passado recente.

Como escrito em artigo anterior (http://estilogourmetazeite.blogspot.com.br/2013/02/consumo-e-producao-de-azeites-no-brasil.html), há uma mudança em curso nas principais áreas produtoras do mundo, onde as qualidades desse nobre ingrediente se evidenciam com as novas tecnologias de extração e produção.  Esse novo panorama e sua larga divulgação nos mostra o quanto tais descobertas tem sido transformadoras no uso e nos hábitos, influenciando as culturas locais nas quais está inserido. 
Brasileiros, por sua formação antropológica são permeáveis a novos gêneros alimentícios, característica que enriquece nossa cultura gastronômica em constante transformação. As mudanças geradas com a aceitação ou refutação não são conduzidas por critérios estabelecidos, são intuitivas.  Diante do consumo e da produção crescente de azeites no país torna evidente sua grande aceitação.  
Como estudioso do assunto, docente e educador, chamar a atenção para a importância da diversidade alimentar tornou-se uma causa, uma missão e os extra virgens tem embasado todo o processo educacional que desenvolvo, procurando resgatar o elo de cada um com seu alimento, elo que se inicia com a correta escolha do alimento.
Como símbolo de paz e unidade entre os povos, o azeite tem significado cultural profundo e, como diz a autora portuguesa, se nessa escolha há a representação da essência do valor que damos a esse bem e conduz a questão de identidade, encontramos aí uma forma de fazer do ato de comer com azeite, para além do ato cultural, um ato para pacificar o tempo presente.