14/11/2013

O dia em que ser Virgem se tornou uma fraude.


Em todos os jornais e redes sociais desta semana só se fala nisso, um alarde estranho e exagerado para uma notícias para lá de velha.
Pelo conteúdo das matérias, a Proteste, associação de defesa do consumidor, cumprindo seu papel, recolheu amostras de 19 marcas de azeite rotuladas como extra virgem em supermercados do Rio e de São Paulo e os submeteu a testes químicos e sensoriais.  Os resultados não foram uma surpresa para quem está antenado com as tendências de consumo desse ancestral alimento.

Já em 2009, o escritor norte americano Tom Mueller lançou seu livro Extra Virgindade (vide artigo neste blog postado em 2010), traduzido pela editora Tapioca, no qual denuncia todas as ilegalidades que permeiam o comércio de azeites de oliva em todo mundo.  Um importante alimento, que se tornou uma comoditie como tantos outros, e serve a especulações de preços, onde poucos ficam milionários em detrimento do trabalho de muitos.  O mestre Carlo Petrini há décadas afirma que a origem do alimento, sua produção e distribuição estão em cheque e quando supostas fraudes vem à tona podemos deduzir que são apenas um pequeno sintoma desse complexo e intrigante mundo, tão combatido pelo movimento SLOW FOOD.  Mas voltemos ao Brasil, à Proteste e as matérias dos jornais: dos 19 extra virgens testados, 4 foram considerados lampantes e vale aqui uma correção às nomenclaturas utilizadas nas matérias e artigos:  azeite lampante não é uma mistura de óleos, é uma das classificações do azeite de oliva que não está dentro de parâmetros químicos que o adequam à alimentação humana, daí o nome LAMPANTE dado na antiguidade, pois servia para iluminar.  Quando se detecta a mistura de azeite de oliva com qualquer outra gordura vegetal ou mais de uma, torna-se um óleo composto, o que configura de fato uma fraude.  Sobre as 7 marcas que foram consideradas apenas Virgens nos testes,  acho estranho e  um tanto irresponsável divulgar e colocar cartazes acusando as marcas de fraude, sem antes informar sobre o lote, local de apreensão e a condição de conservação do produto, pois TODO Extra Virgem torna-se Virgem se for exposto a luz e calor por determinado tempo (a temperatura ideal de conservação é entre 16º e 18º C).  Azeites Extra Virgens são perecíveis, alguns são mais estáveis que outros dependendo do percentual de ácido oléico e de anti oxidantes.  Eles não envelhecem como vinhos e devem ser consumidos o mais fresco possível.  Em nosso país tropical, onde há poucas informações para toda a cadeia de distribuição, nas condições que esses produtos são transportados, ficam estocados e são expostos a venda, qualquer excelente Extra Virgem pode se tornar Virgem dependendo de todos esse fatores.  Não saio em defesa de nenhuma das marcas, mas em minha convivência  mais estreita com o estudo e a produção, pude entender melhor as questões da comercialização das grandes marcas industriais e dos Extra Virgens de excelência PREMIUM.  São mundos distintos, porém indissolúveis.  

"A qualidade de um produto pode ser definida como o conjunto de características próprias que permitem apreciá-lo como igual, melhor ou pior que os restantes de sua espécie". (Carpio e Jimenez, 1993).  Já a qualidade regulamentada para azeites de oliva foi estabelecida pelo COI (CONSELHO OLEÍCOLA INTERNACIONAL - www.internationaloliveoil.org)  em 1991 e modificada em julho de 2008.   No regulamento está determinado que quando em um azeite de oliva virgem, um dos parâmetros físico-químicos ou sensoriais não cumpre a norma, este passa a categoria seguinte.  Há um índice global de qualidade que é definido da seguinte forma:  
IC = 2,71 + 0,91 X PO - 0,81 X IA - 9,09 X K270 - 0,025 X IP, onde: IC = Indice de Qualidade; PO = Pontuação Organoléptica, norma COI (panels de degustação); IA = Indice de Acidez; K270 = Absorção ao ultravioleta a 270 nm; IP = Índice de Peróxido.

Minha mestra Brígida Jimenez diz em sua tese: "Este índice permite classificar os azeites de uma forma contínua e mais eficaz.  Não obstante, temos que avançar mais introduzindo outros parâmetros, como a estabilidade, que poderia prever o comportamento do azeite na etapa de comercialização".  Com tanta complexidade nos métodos de classificação, as ações em andamento são estranhamente exageradas.  Se não há manipulação, há desconhecimento!  Ainda que, pela legislação, o fabricante tem o dever de garantir a integridade físico-química do produto até a data de sua validade, sabemos que a desinformação é muito maior que a suposta intenção das ações.  Portanto, não é de hoje que ser VIRGEM não é fraude!

Temos muito o que aprender... Vivemos um grande momento de transição e transformação no consumo do azeite de oliva em todo o mundo, não só no Brasil.  Extra virgens de excelência hoje não são apenas extraídos, são elaborados.  O cultivo, momento de maturação, variedade, clima, otimização da colheita, transporte, tecnologia, tempo de batido, temperatura, decantação, filtragem, armazenagem, todos são fatores que contribuem para características sensoriais distintas, umas controladas, outras mistérios da natureza.

Bons azeites, portanto, não podem ser baratos!Para serem baratos, são menos estáveis e mais sujeitos ainda às variações físico-químicas.  Ao se tornarem virgens, não possuem mais o mesmo valor nutricional, pois estão mais oxidados, mas nem de longe poderão prejudicar à saúde (há azeites que são elaborados propositalmente nesta classificacão) e, portanto, não há motivos para as ações passionais que estamos testemunhando.  

Cabe, a quem interessar possa, informar-se melhor sobre esse rico alimento funcional e entender que seu valor está diretamente ligado à sua riqueza nutricional e suas nuances sensoriais, incomparáveis a qualquer outra gordura vegetal.   Azeite Extra Virgem é qualidade, estilo de vida !  O único caminho é educar para conhecê-lo sensorialmente, descobrir os atributos que caracterizam sua qualidade e fazer sua própria escolha.  Como em tudo na vida!


 Conhecer

Uma cultura


08/11/2013

Dicas para se apreciar o azeite de oliva extra virgem


Uma vez que o mundo inteiro, não só nós brasileiros, está aprendendo a degustar e consumir azeites extra virgens, vale a pena saber algumas dicas para desfrutar caminhos sensoriais que provocam emoções inusitadas, surpresas indescritíveis e sutilezas poéticas que só um alimento ancestral e sagrado pode apresentar.

Hoje, com cada vez mais variedade de rótulos oferecidos nas prateleiras e com preços diferenciados, a grande dúvida que temos é quais critérios adotar para a escolha do produto.  No Brasil, não sei precisamente por quais motivos, o mais utilizado para a decisão final da compra, depois do preço, é a famosa acidez, que no azeite é um parâmetro químico que diz respeito aos seus ácidos graxos livres e, portanto, é imperceptível ao paladar.   De uma forma geral, não somos capazes de diferenciar atributos positivos dos defeitos, por uma simples questão de desconhecimento dos mesmos e nos guiamos por nossa intuição ou por hábitos de consumo que, em muitas ocasiões nos fazem interpretar como positivos alguns defeitos tradicionais presentes em nossa memória sensorial.  Dessa forma, inicie-se nesse mundo usando sempre um extra virgem para finalizar seus pratos.  Discernir sobre a escolha mais correta necessita conhecê-lo um pouco mais sensorialmente, quais os atributos que caracterizam a qualidade e esse é o aprendizado ao qual convido a todos.
Seguem então algumas dicas:

Cor: não é critério de avaliação para os especialistas, seja mais verde ou mais amarelo, mais transparente ou mais opaco, em todos os casos ele pode estar  tanto defeituoso como perfeito.  O copo, no qual o degustador profissional realiza sua análise, é de cor azul para não sugestioná-lo.  No entanto, nas degustações que chamamos de hedonísticas, podemos considerá-lo pelo aspecto que mais nos agrada, do brilhante, transparente ao velado, no caso de serem filtrados ou não.  Do amarelo dourado ao verde mais escuro, dependendo do grau de maturação da fruta.

Aroma: de frutado de azeitona, herbáceo, que lembre algumas vezes o tomate, alcachofra, folhas, ervas recém cortadas ou algo que lhe remeta ao frescor.  De forma alguma deve lembrar-lhe toques acéticos ou avinagrados, ranço ou fermentado. 

Sabor: o amargo e o picante devem estar presentes com equilíbrio, embora este último seja considerado uma textura, vamos aqui pensá-lo como um aspecto do sabor.  Na ausência de ambos, ou com menor intensidade, ele se mostra suave e podemos dizer que é adocicado, pois com tais características é proveniente de azeitonas maduras.  Podemos dizer que a harmonia e a complexidade se dão de acordo com as várias nuances que encontramos, quando nenhuma prevalece sobre outra e, nesse caso, o azeite é considerado elegante.  O que vale saber é que para cada  intensidade distinta vamos aprender a harmonizar com um prato de nossa preferência.

Textura: a fluidez no azeite não é avaliada pelo especialista, sua composição química irá influenciar diretamente nesse atributo, que, para mais ou para menos não caracteriza qualidade ou defeito.  Mas, da mesma forma que a aparência, numa degustação hedonística, podemos avaliá-lo como mais fluido, aquoso, untuoso e sedoso e o gosto de cada um determinará o que considera melhor.
O fato é que para além de todas as nuances que um azeite pode trazer às nossas preparações culinárias, ele é um alimento funcional com valores nutricionais incomparáveis, não encontrados em nenhuma outra gordura, seja animal ou vegetal.  Tomar todos os dias uma colher de sobremesa em jejum pela manhã ou consumi-lo regularmente nas refeições irá prevenir inúmeras doenças, principalmente as cardíacas e as que se originam de alterações das taxas de colesterol e açúcar, apenas para citar alguns benefícios.  Bons extra virgens agem no sistema digestivo e ajudam na absorção alimentar e, por consequência, são indicados para dietas de emagrecimento.  Portanto, sem culpas, consuma-o generosamente e lembre-se, guarde-o longe da luz e do calor e uma vez aberto, em nosso país tropical, não deixe que dure mais que 30 dias.

No mais, consumir azeite é um brinde a vida e à saúde!  Seu corpo sempre agradecerá e sua alma se contentará!


 Na produção do Oro Bailén, uma das excelências do mundo.

 O frecor do momento da extração

As cores

Fonte: Manual de Cata y Maridaje del Aceite de Oliva
Uceda M., Aguilera MaP., Mazzucchelli I.