30/11/2015

Das Hojiblancas e Picuais às Cobrançosas e Negrinhas

Nas fraldas da Serra da Subbética me instalei em um simpático apartamento no povoado de Zuheros, pertencente à província de Córdoba.  Localizado no coração da Andaluzia, percorri durante 40 dias uma boa parte do vale do Guadalquivir, bacia hidrográfica com 657 km de extensão, berço de excelentes extra virgens.  Dali ao Alentejo, ao sul de Portugal, em um rico percurso sensorial viajei dos verdes folhosos, frutais e intensos das Hojiblancas e Picuais andaluzes aos florais, herbáceos e doces das Galegas e Cordovis alentejanas.

Nesse maravilhoso cenário, percorrendo estradas vicinais, cruzando extensos olivais e vinhedos em tons outonais, testemunho uma cultura de qualidade que se consolida e se dissemina pelo mundo.  Fazer azeite é uma arte milenar,  mas fazer um extra virgem de qualidade em nossos dias é permitir que a natureza expresse-se em aromas e sabores de azeites que falam por si.  Do cuidado no campo, com a árvore e com o fruto, à recepção no lagar, todas as variáveis que fazem parte do processo de elaboração do extra virgem, quando regidos em sintonia, resultam na quase perfeição que os experts tanto apreciam, os cozinheiros deliram e a quem nada conhece seduz irremediavelmente.

Minha mestra, Dra. Brígida Jimenez, me conduz por esse caminho, ensinando-me a reconhecer aspectos sensoriais relacionados aos processos físico-químicos da composição do azeite e neste universo organoléptico vivo estes dias do ano, aprofundando um saber que me parece ancestral, um tesouro inestimável, algo que não se pode guardar para si.

Ana Carrilho, com igual maestria, mostra a exuberância alentejana, em azeite tão distintos e as diferenças parecem consolidar o conhecimento.

Volto para o meu Rio de Janeiro amanhã, com saberes em palavras, sabores na mala e uma vontade danada de compartilhar!

Saber ancestral

Ana Carrilho

Mestra Brígida Jimenez

Sensorial

02/11/2015

A emoção da colheita, a nova safra e Pablo Neruda

Pelo quarto ano consecutivo, venho à região da Andaluzia e de Portugal acompanhar a colheita e a produção anual dos extra virgens de excelência.  Entre o mês de outubro e até o fim de novembro, no hemisfério norte, obtém-se os campeões em diversidade e complexidade sensorial.  O mais interessante dessa rica experiência é que a cada ano, características muito distintas se apresentam, sempre relacionadas a fatores climáticos e a forma de elaboração.  

Testemunhar e realizar a colheita, acompanhar a chegada das azeitonas às áreas de recepção do lagar, seu processo de limpeza, moagem, batido, centrifugação, decantação e filtragem é como participar da composição de uma sinfonia, cujas notas só serão ouvidas quando a integridade da obra estiver realizada, sem chances de ser refeita.  A elaboração por lotes permitirá a correção através de notas graves ou agudas, com maiores ou menores pausas, acordes que serão combinados de forma a encontrar a harmonia perfeita.  Poucas horas após o desprendimento da oliveira, a azeitona já concedeu seu sumo e com benevolência nos oferece a tradução dos caprichos da natureza combinados aos esforços humanos para se obter o máximo da perfeição.  O momento da degustação é o mais aguardado e para os que não obtiveram o que desejavam, Salvador Dali dá a grande lição com sua frase:  "Não tenhas medo da perfeição, nunca a alcançarás." 

O mais intrigante desse mundo olivareiro, além de sua complexidade, é que os parâmetros que caracterizam a tão procurada qualidade foram modificados nos últimos anos graças às pesquisas científicas que os relacionam à valores nutricionais que fazem deste alimento o mais rico e completo que podemos obter da natureza.  Cada atributo positivo percebido organolepticamente está ligado a compostos voláteis que indicam sua qualidade, riqueza e pureza.   

O fato é que, verde ou maduro, notas herbáceas, frutais e inúmeras outras compõem sinfonias que encantam a quem as percebe e, combinadas com os mais distintos alimentos, aumentam sua biodisponibilidade, enriquecem nossa vida e nos falam à alma como Pablo Neruda tão bem soube homenagear em sua Ode ao Azeite:

"A oliveira
De volume prateado,
Severa e suas linhas,
Em seu torcido coração terrestre:
As graciosas azeitonas
Polidas pelos dedos que fizeram
A pomba e o caracol marinho:
Verdes, inumeráveis,
Puríssimos mamilos da natureza,
E ali nos secos olivais
De onde tão somente o céu azul com cigarras,
E terra dura existem,
Alí o prodígio,
A cápsula perfeita da oliva
Preenchendo com suas constelações as folhagens,
Mais tarde as vasilhas, o milagre,
O Azeite."

Um brinde azeitado!  Se as graciosas azeitonas foram polidas pelos dedos de Deus, coube ao homem extrair sua essência para a bem aventurança de todos!

 A colheita

 De frutos perfeitos

 O azeite perfeito

E sua degustação

27/09/2015

O início da safra 2016 e os fatores que pesam sobre as previsões

Foi dada a largada para o início da campanha 2015/2016 na bacia do Mediterrâneo, região responsável por 95% da produção mundial do azeite de oliva. Em vários lugares a colheita já se iniciou e em outros, as primeiras amostras de rendimento estão sendo colhidas e analisadas para se determinar o primeiro dia da campanha, cuja previsão é para a primeira quinzena de outubro, variando de acordo com o paralelo e as condições climáticas.

Segundo o último boletim do Conselho Oleícola Internacional (COI), a produção mundial do azeite desta campanha poderá ser superior a 2.500.000 toneladas, se situando assim entre as 2.287.000 toneladas da campanha 2014/15 e os 3.244.00 da campanha 2013/2014.
No entanto, de acordo com o mesmo boletim, há ainda muitas incertezas que pesam sobre a produção que está por vir, sobretudo na Espanha (maior produtor mundial), quando condições metereológicas adversas, que englobam temperaturas máximas históricas durante as fases de floração da oliveira, adicionadas à falta de chuvas, que está caracterizando este ano hídrico, não nos permitem ousar previsões mais precisas, pois em oposição a esse contexto se considera este ano favorável, após a fraca produção precedente, característica do ciclo natural da oliveira, onde um ano "mais" é intercalado com um ano "menos". 

Segundo os especialistas, há dois métodos que permitem prever a colheita: o primeiro consiste em realizar inspeções visuais e efetuar uma contagem dos frutos sobre o território, enquanto que o segundo consiste sobre a análise de variações agro-climáticas que influenciam na evolução do fruto, desde a floração até o mês de setembro. 
  
Porém, reconhece-se que não se dispõe de meios nem de dados suficientes para aplicar o primeiro método. Para se fazer uma previsão séria sobre a colheita, técnicos localizados de maneira estratégica deveriam aplicar uma metodologia de medidas rígidas, condições que apenas a região da Andaluzia é capaz de assegurar.  Quanto à análise de variações, a ausência de uniformidade de informações entre as distintas regiões produtoras evidencia a complexidade das metodologias que buscam números de produção mais precisos.

Assim é o mundo olivareiro, incertezas climáticas, junto à técnicas de cultivo que alternam entre o tradicional, o intensivo e o super intensivo nas mais diversas regiões do Mediterrâneo nos permitem vagas estimativas e evidenciam uma olivicultura em constante transformação.  Para além do clima, novos cultivos e tecnologias de extração aprimoram cada vez mais a elaboração de azeites com melhor qualidade e de acordo com as preferências culturais de cada população.

O fato é que, chegada esta época, para os amantes da olivicultura e para os profissionais que vivem deste negócio, a expectativa é grande, seja pela quantidade que regulará os estoques mundiais, importante dado que regula preço, seja pela qualidade organoléptica dos extra virgens, cuja diversidade de nuances sensoriais anualmente nos encantam, surpreendem ou decepcionam.

Dia 21 de outubro próximo, repetindo o que tenho feito desde 2012, viajarei para as principais áreas produtoras da Andaluzia na Espanha, do Ribatejo, Alentejo e de Trás-Os-Montes em Portugal.   Acompanhando minha mestra, Dra. Brígida Jimenez, na Andaluzia, Ana Carrilhos no Alentejo e Francisco e Antonio Pavão em Trás-Os-Montes busco vivências que aprofundam meu conhecimento na cultura e na riqueza desse ingrediente que há anos me seduz e pelo qual sou absolutamente apaixonado.

Em seus frutados verdes ou maduros, complexidades e equilíbrio entre amargos e picantes podemos encontrar riquezas e histórias únicas.  No sumo dos frutos produzidos pelas oliveiras está a tradução perfeita da soma do árduo trabalho do homem aos caprichos da natureza que, a cada hectare de terra pode apresentar profundas diferenças. Lançar-se a descobrir essa diversidade é, em todos os aspectos, fascinante!

 O calibre do fruto em maturação

 As amostras para análise de rendimento


 Ana Carrilho em ação no Alentejo

A campanha 2014/15 com a família Pavão

26/08/2015

A estabilidade oxidativa do azeite extra virgem e o Rio Gastronomia 2015

Inspirado pela emoção de falar para um grande público em diversas ações educacionais, promovidas pelo Azeite Gallo no maior e mais importante evento de gastronomia da cidade do Rio de Janeiro, não poderia deixar de registrar a surpresa geral das pessoas interessadas com a notícia sobre pesquisas científicas que atestam a estabilidade do azeite nos processos de cocção.  

Em recente publicação, utilizando a batata em fritura por imersão, os cientistas Emília Akil, Vanessa Nassiuk Castelo-Branco, André Mesquita Magalhães Costa, Ana Lúcia do Amaral Vendramini, Verônica Calado e Alexandre Guedes Torres, da Universidade Federal Fluminense e da Universidade Federal do Rio de Janeiro, comprovam de forma definitiva a maior saudabilidade dos azeites extra virgem de oliva e do azeite de oliva tipo puro, quando submetidos a alta temperaturas, em comparação com outras gorduras vegetais.

Publicada no dia 06 de fevereiro de 2015, com o título "OXIDATIVE STABILITY AND CHANGES IN CHEMICAL COMPOSITION OF EXTRA VIRGIN OLIVE OILS AFTER SHORT TERM DEEP-FRYING OF FRENCH FRIES" - Estabilidade Oxidativa e Transformações na Composição Química do Azeite Extra Virgem após Fritura por Imersão com Batatas Fritas, a importante pesquisa comprova ainda que, quando a cocção é realizado com azeite extra virgem, este transfere para o alimento seus ricos compostos secundários, anti-oxidantes que tanto beneficiam nossa saúde. 

Desde que me dedico ao estudo do azeite de oliva, sempre foi uma incógnita para mim a origem do mito de que a mais rica e saudável gordura à nossa disposição não pode ser aquecida.  Em artigo postado neste blog em 27 de abril de 2013, escrevi citando a publicação do Conselho Oleícola Internacional, assinada pelo nutricionista e pesquisador Dr. Gregorio Varela, na qual ele descreve o comportamento do alimento submetido a frituras com azeite e o quão saudável e mais rico nutricionalmente este se torna.  Em todos esses anos em sala de aula, treinamentos, congressos e simpósios, o assunto é recorrente e, ainda que a dieta Mediterrânea, há séculos estabelecida como modo de vida daqueles povos, comprove por si só a maior saudabilidade do azeite, a dúvida está sempre presente, tamanho o enraizamento da informação em meios acadêmicos da medicina e da nutrição.

Nesse significativo momento em que o Rio Gastronomia e a Gallo me dão a oportunidade de divulgar a informação com mais ênfase, embora tenha feito isso em todas as edições do evento e desde que iniciei a dar aulas sobre o assunto, uma pesquisa realizada no país e publicada em respeitada revista científica norte-americana parece dar maior credibilidade e poderá gerar um consumo mais consciente, justo e inequívoco na escolha da gordura para o método de cocção desejada.

Seja ele do tipo puro ou extra virgem de oliva, definitivamente, azeite é o óleo mais saudável e estável para o uso culinário.  As únicas razões justificáveis para a escolha de outra gordura, seja vegetal ou animal, serão seu custo e o sabor que se deseja transmitir ao alimento.  Que isto seja bem dito e divulgado!  Notícias que propagam os óleos de alta concentração de oleico, como a CANOLA, como ideais para a cocção em detrimento do azeite nada mais são do que campanhas de marketing sem fundamento e só servem para confundir o consumidor.

Azeitar é preciso!

A publicação da pesquisa


Ações educacionais no Rio Gastronomia





08/07/2015

A versatilidade do uso do azeite e a educação sensorial


Com o crescente consumo de azeites no Brasil, muitas pessoas tem se perguntado sobre as diferenças entre os distintos rótulos à disposição e como usá-los. Alimento funcional da maior importância, extraído pelo homem desde a Antiguidade, considerado sagrado desde então, o azeite era inicialmente usado como combustível para iluminação, lubrificante de ferramentas, impermeabilizante de tecidos, unguento e poderoso bálsamo medicinal, passando a ter uso na alimentação alguns séculos depois da sua descoberta, quando o valor nutricional nele contido evidenciou-se com a larga utilização.

Único óleo vegetal extraído de uma fruta por inteiro, polpa e caroço, o sumo da azeitona possui em sua composição química uma alta concentração de ácido oleico, tornando-o naturalmente estável para todos os processos de cocção, das frituras aos assados. Nos azeites extra virgens encontram-se importantes antioxidantes e vitaminas que fazem deste ingrediente, o alimento mais completo à nossa disposição e com a maior versatilidade de uso entre todos os condimentos.

Derrubar mitos que se enraizaram em nossa cultura é o primeiro passo para o consumo correto  que, além do prazer, nos traz inúmeros benefícios à saúde.  Dos pré-preparos aos processos de cocção e finalizações, para cada momento, existe um azeite adequado. O mito de que não podemos aquecê-lo formou-se em décadas passadas, quando o custo de uma garrafa era muito superior a qualquer outro óleo vegetal, principalmente o de milho e soja, dos quais o Brasil é importante produtor. 

A descoberta e a revalorização dos azeites atualmente, não se deve ao acaso.  O processo de produção, com o uso de novas tecnologias, evoluiu muito nos últimos 25 anos , tornando possível a elaboração de distintas nuances sensoriais, seja pela variedade seja pelo tempo de maturação da azeitona. Mais maduros ou mais verdes, varietais ou blends, azeites se diferenciam pela intensidade e complexidade de suas notas olfativas e gustativas entre frutados, amargos e picantes.

Cientes da radical transformação ocorrida no setor, cuja produção é milenar, podemos considerar que é grande o desconhecimento sobre seu uso de forma geral. Longe da pretensão de "gourmetizar" esse ancestral condimento, o movimento que hoje ocorre visa dar a ele o justo valor que o diferencia de todas as gorduras vegetais existentes.  

Antenado a novas tendências, o Senac RJ pelo terceiro ano consecutivo traz ao Brasil uma das maiores autoridades sobre o assunto no mundo, a Dra. Brígida Jimenez Herrera, que estará no Rio de Janeiro entre os dias 10 e 16 de julho para diversas atividades educacionais na unidade de Copacabana.  Minha mestra desde 2012, Dra. Brígida é doutora em farmácia e pesquisadora há 27 anos. Diretora do IFAPA de Cabra, província de Córdoba, na Andaluzia, importante instituição pública de pesquisa, ela é uma das principais protagonistas e mentoras das mudanças que hoje resultam em extra virgens de muito maior qualidade sensorial e nutricional, posicionando o azeite em merecido lugar de destaque.

A percepção de muitos mitos formados e consequentes equívocos no uso, assim como o fascínio pela cultura em torno de seu milenar cultivo me fizeram um estudioso do azeite desde 2008.  Tornei-me um azeitólogo, formado em Elaiotecnia, com cursos na Espanha , aprofundando e renovando meu conhecimento nas áreas produtoras sob a orientação da Dra. Brígida.  Meu maior objetivo é transmitir o conhecimento sobre os parâmetros sensoriais que caracterizam defeitos e atributos positivos do azeite, seguindo os passos de minha mestra!  Sua vinda este ano tem um sabor ainda mais especial, pois o Senac RJ anunciará que, a partir de 2016 em todos os seus cursos técnicos de cozinheiro, do auxiliar de cozinha ao Chef Executivo e tecnólogo, haverá, o ensino específico sobre o uso do azeite na cozinha.

É um caminho que se faz necessário.  Com uma das mais ricas e variadas culinárias do mundo, nosso país consumiu  no ano passado, recorde de consumo em nossa história, 0,4 litros por pessoa.  Quatro entre dez famílias brasileiras compram azeite três vezes ao ano apenas, usando-o de forma limitada e comedida, desconhecendo sua versatilidade e riqueza.  Como escolher, conservar e reconhecer seus atributos; como fritar, refogar, confitar e finalizar pratos das entradas às sobremesas; frutado maduro ou verde, arbequina, coratina, frantoio ou picual, acidez 0,1 ou 0,3, são inúmeras as questões do apreciador e esse é o momento para desvendá-las.

Passaremos a entender que, acima de tudo, elaborar azeites extra virgens é uma arte.  Ao nos transmitir sensações únicas no sagrado momento da refeição ou no mais simples petisco, esse rico condimento parece nos contar subjetivamente as histórias da terra e da paixão com que foi produzido. Lancemo-nos ao fascinante mundo do azeite, para além de tudo, ele traz o ancestral e mágico segredo da longevidade.  

Workshops no Senac RJ

 Antigos processos de produção

Novas tecnologias


Pesquisas

E aprendizado